Eu jurava que nunca iria gastar meus suados reais num restaurante cheio de
frescuras. Um lugar onde você pede um prato e vem um pedacinho de carne do
tamanho e da espessura de meia folha de papel de ofício, dobrada ao meio
acompanhada de uma migalha de arroz com um molhinho e uma folha de louro e
que custam os olhos da cara e o de baixo também. E onde todos tiram uma onda retada.

Mas eis que Deus, sem ter nada melhor pra fazer, olhou pra mim e disse:´”-Tú
vai sim, sacana” e num belo dia, após ligar para a Rádio Metrópole de seu
Mário Quértz, ganhei uma cortesia de 50 badarós para gastar num desses
restaurantes, no caso específico, aquele que fica no Rio Vermelho. O que tem
o nome daquele pintor espanhol, xará de nossa cidade. Não é o daqui. É o Dali.

E lá fui eu devidamente acompanhado para o restaurante burguês e pensando:
“Hoje vou tirar onda, minha porra!!!”

Botei aquela roupa comprada em 7 vezes na Riachuelo que eu só uso em
ocasiões especiais e me piquei pra lá.

Chegando no local, fui recebido por um negão do tamanho da zorra na porta.
Pensei: “Esse filadaputa vai me barrar” Que nada. O cara veio com um “Boa
noite senhor” Senhor, sacana… Me senti até gente. Lá no Cai Duro, a maior
reverência que recebo é quando o garçom me chama de “brother”. O negão era
manobrista, só que não precisava de manobrista já que eu tinha um motorista.
Um motorista e um cobrador.

O negão me passou para um outro cara, que perguntou se eu queria ficar no
bar ou ir pro lounge? E eu pensando “Que desgraça é lounge?”. Depois é que
eu fui ver que era a parte de cima do bar. Porra, que frescura .
Bastava perguntar “Vai ficar no bar ou quer subir?”

Esse outro cara me passou para uma morena que me encaminharia pra minha
mesa. Àquela altura eu já estava ficando cansado daquela paletada. Eu vim
comer ou fazer trekking? E o pior é que naquele ritmo, quando eu chegasse à
mesa já teria dado meia noite e eu não teria mais buzú pra voltar pra casa.

Fui acomodado na varanda que fica sobre o mar. O mesmo cheiro de maresia da
Ribeira. Mas era uma maresia chique da zorra. As algas deveriam ser daquelas
criadas nas águas termais dos mares da Grécia, colhidas em Mikonos,
importadas de avião e jogadas embaixo da sacada do restaurante daqui.

O restaurante era massa. Velas por todos os lados. Um telão. Uma decoração
bala. E um daqueles quadros borrados. Daqueles em que os endinheirados ficam
parados na frente, não entendem porra nenhuma da pintura, mas ficam olhando
com a mão no queixo, a testa franzida fazendo tipo e dizendo coisas do tipo:
“este quadro representa toda a magnitude do ser, expressada pelas linhas
assimetricamente delineadas pelo traço introspecto do artista e não sei mais
o que… Pra mim era um quadro borrado. Não gostou? Me bata!

Arte abstrata uma banana. Lembrei logo daquele cartaz/ propaganda antigo da
Marlboro que fica na parede do pirão do Bar do Pascoal no Santo Antônio.
Pode ser sintoma de pobreza mais achei mais legal a foto daquele cowboy que
se lenhou de câncer no pulmão, do que esse quadro borrado chique.

Ao fundo tocava uma música internacional. Não entendi nada do que a cantora
cantava, mas pelo menos não era arrocha, axé, pagode e nem Ana Carolina. Não
agüento mais ouvir “Eu queeero te roubar pra mim…”.

Já as pessoas nem respiram. Um ar soturno de museu de cera. Se você olha
muito para alguém, essa pessoa já pensa que você quer roubá-la, sei lá. Rico
quando conversa, não ri. Parecem estar em coma. E as caras e bocas daquela
gente bonita? Vão à merda.

Ao fundo, um bigodudo fumava um charuto do tamanho de um tubo de 50mm da
Tigre, daqueles de passar tolete. Dava cada baforada, como se escrevesse no
ar com a fumaça “eu tenho uma Land Rover e um C5 Pallas” Eu tenho uma
cobertura no Le Parc” “Eu sou o fodão”. E eu pensando: “Esse filadaputa deve
estar devendo duas parcelas do leasing do CIVIC. Mais uma e o banco toma.”

Chega o garçom e oferece o couvert. Olhei ao redor, mas não tinha ninguém
tocando. Tinha sim um telão enorme. Será que eu teria que pagar pra assistir
TV nessa zorra?

O garçom trouxe o tal do couvert. Era comida. Na verdade, era uma cenoura
cortada na horizontal, em quatro, com um pão cacetinho torrado cortado em
rodelas com duas cumbuquinhas, uma com manteiga e outra com patê. O preço?
R$ 7,90. Que porra é essa? No restaurante “O Líder” do Largo Dois de Julho
eu bato um sanduichão de pernil de porco e queijo de cuia que tem aquele
molho secreto maravilhoso com uma Coca e ainda sobram R$ 1,50. Gentilmente
recusei o couvert. “Não estava disposto”. Olhe que agá da porra…

E as bebidas? Cada 8 latinhas lá no chique daria para tomar uma caixa no bar
de Licinho, em Jequié…

Resolvemos pedir o prato. O cardápio tinha um monte de nomes que mais
pareciam a escalação da seleção da Thecoslováquia da copa de 86. Pedimos um
tal de “Salmão ao molho Nagóia”. Olhando a descrição do prato, era uma posta
de salmão com arroz, acompanhada de um molho à base de Inhame e ervilhas. Eu
nem sabia que tinha inhame no Japão.

Enquanto esperávamos o prato, mostrei à gata que estava comigo, um coroa que
estava acompanhado de uma deliciosa morena que eu acho que vi naquele site *
*www.elitegr…deixa* <httt://www.elitegr...deixa/>* pra lá.
**
Bem. O cara estava numa marra danada tirando uma de enólogo (aquele cara que
sabe sobre vinhos, ou finge que sabe) e faz questão de se mostrar na frente
de todo mundo como se só ele entendesse da bebida. E eu de cá, explicando à
minha gata os movimentos. Porra. Eu também sei sobre vinhos, eu tenho acesso
à internet, tem Lan House lá em Plataforma, . Sei algumas coisas
sobre vinhos, mas, não fico tirando onda de muita merda. E não tenho
besteira. Eu bebo um autêntico “Pinot Noir” da mesma forma que bebo um
“Abaira” com Coca-Cola e gelo, sem problemas.

E o cara seguia cheirando a rolha, olhando o rótulo, colocando a taça contra
a vela, abrindo o buquê, sentindo o tanino e o escambau. Aquele não era um
bebedor de vinho. Era praticamente um técnico da NASA.

Chega o prato.

Cara, que mizera era aquilo? Um taquinho de salmão do tamanho de um celular
N-73 da Nokia, só que mais fino, acompanhado de uma cumbuca de arroz virada
de cabeça pra baixo e três ervilhas de cada lado, melecado por um molhinho
derramado em forma de “S”. O estômago disse, “Você é viado, porra? Quer me
lenhar? E eu? Como é que eu fico?”

E ainda por cima, como todo bom pobre neo-classe média, perguntei à minha
gata por que o peixe era rosa.

– “É salmão, tabaréu”.

E eu lá tenho obrigação de saber que salmão é rosa? Peixe rosa eu só vi uma
vez e era porque estava estragado. Nem pedi farinha pra ela não se retar
comigo.

Enquanto eu comia, pensava “Como é que gente rica se sustenta?” Aquilo não
dá sustança, como dizia meu avô. Se eu comer meu feijão sem farinha, fico
logo com fome depois, imagine aquela merreca? Morreria de inanição em dois
dias.

Mas ainda tinha a sobremesa.

Seguindo a indicação de minha amiga Camila Cintra, assídua freqüentadora do
local (e dos melhores locais de Salvador e Austrália, diga-se de passagem) e
burguesa brother, pedi um tal de “petit gateau” que ela tinha me dito ser de
cair os dentes de tão gostoso.

Perguntei ao garçom como era o tal Gato Pequeno (tradução minha) e ele me
disse em tom de mistério armado, para valorizar a sobremesa, que “era uma
sobremesa que congressava harmonicamente o calor com o frio num misto de
encantamento e vigor saboroso das duas sobremesas”.

Cara. Pela descrição, aquilo não era só uma sobremesa, era o conteúdo do
cálice sagrado. Do Santo Graal. Bebido pelo próprio Jesus na Santa Ceia.

Fiquei numa expectativa retada e quando chegou a sobremesa, era um bolinho
de chocolate quente, nada demais, que vinha acompanhado de uma bola de
sorvete de creme. Era gostosinho sim, mas não vi nada de mais.

Sei que minha amiga Camilinha ao ler isso, dirá que eu tenho o paladar
prejudicado pela pobreza, isso porque eu disse uma vez que as trufas do
Tango Café de Praia do Forte, que ela e metade da Bahia barona achavam
deliciosas, eram meia boca, amargas e caras e que eu preferia uma boa caixa
de bombons Lacta.

Mas na moral, o sorvete do Auditorium de Ailton era mais gostoso do
que aquele que acompanhava o Petit Gateau.

No final das contas, gastei mais R$ 25,00 além da cortesia e saí num rango
da zorra.

A salvação foi me picar pro Mercado do Rio Vermelho ao lado e forrar o
estômago com uma deliciosa moqueca de arraia regada com algumas
gelosas, sentado numa legítima cadeira de prásco.

Volto num restaurante chique? Craro.

Se descolar uma cortesia de novo…

Desconheço a autoria.