Quando ainda era bem estreita a praia da avenida, a PMI mantinha uma pequena equipe permanentemente designada para limpar os esgotos de águas pluviais e servidas que desciam dos morros adjacentes e da Cidade Nova até o mar.

 
Em certo dia de sol um pequeno grupo de servidores chegou à frente da última casa da Soares Lopes para pedir água. Conversa vai, conversa vem, um deles se apresentou como líder do grupo. Era tanta a sua satisfação pela água gelada e pela atenção recebida que não se conteve em se auto-promover e valorizar com justiça o seu trabalho à Senhora que o atendeu. O vento soprava areia nas valetas e, se não as mantivessem abertas, teríamos lagos de água podre e escura dos esgotos. 
 
Generosa, aquela Senhora que ainda vive, e com muita saúde, com um por cento de ironia e noventa e nove de incentivo o falou:
 
-Ah… Então o Senhor é o Rei dos Esgotos”…
 
E o peito do caboclo baixinho e sem os oito incisivos se encheu de ar, a sua coluna vertebral ficou ereta e segurou o cabo da sua enxada com a pompa que um rei de verdade segura o seu cetro real.
Depois o mandaram à Vitória cavar covas e, ainda sem ficar muito velho, lá se foi o nosso “Rei dos Esgotos”. 
 
O seu trabalho era simples, mas importante como os canais de irrigação, velhos como o Neolítico, canais e valetas que permitiram o desenvolvimento da agricultura na Mesopotâmia e nos Andes.
Depois de décadas de alagamentos na Lomanto Júnior, um cérebro abençoado com tino e inteligência mandou uma retroescavadeira remover os matacões do empedramento que bloqueavam a descida da água da chuva das bocas de lobo da avenida até a embocadura do Cachoeira. Desimpedida, a água jorrou pela boca das tubulações que os engenheiros projetaram a mais de dois metros de profundidade, quase na altura da maré alta. Pena que a água do lado direito da avenida continua represada, pois as tubulações subterrâneas ainda estão entupidas por muita areia vinda com o vento ou pelo lixo lançado por nossos vizinhos ou trabalhadores sem consciência. Concreto, restos de tinta e até brita são jogadas nas bocas de lobo das ruas do Pontal. Vejam um açougue numa esquina da Praça São João…Vejam a esquina do Posto de “Saúde” Herval Soledade…
 
Voltando à Soares Lopes, já sem o Rei dos Esgotos com a sua  enxada para drenar os paués que ali se formam com as chuvas, me pergunto porque não o imitam, ou aos mesopotâmios ou andinos da Pré-história, a braço ou retroescavadeira,para facilitar a descida das águas represadas pelos cordões arenosos que se formam no nosso litoral? Porque não desistem dos escoamentos subterrâneos e não optam por valetas suaves a céu aberto para permitirem que os contribuintes que ali vivem ou transitam não molhem dos seus pés às canelas para entrarem nas suas casas naquela água contaminada por ratos mortos ou a sua urina azêda?
 
“Rei dos Esgotos”, rogai por nós… 
GUILHERME ALBAGLI DE ALMEIDA