Sempre tive a curiosidade de ouvir dos mais experientes as estórias e histórias ocorridas em nossa cidade nos tempos áureos do cacau.

Além do saudoso Sá Barretto, tive outros informantes de primeira linha que considerei na época os verdadeiros imortais: Moreia, Popoff e Venicius Dias, que conheceram estórias que até Deus duvida.

Durante minha convivência com o saudoso escritor Hélio Pólvora, então Presidente da Fundação Cultural de Ilhéus, fui enriquecido com preciosas historias grapiunas, através de suas obras literárias, entre elas refiro-me sobre “O Boiadeiro da Pensão Vasco” .

“Ocorreu que o dono da Pensão Vasco, Pedro Duarte, chamado de Pedro Corró, viu sem maior interesse o novo hóspede sentar-se à mesa. Sujeito baixo, forte, de bigode grosso, botas com esporas, chapelão que teve a lembrança de tirar e pendurar no cabide. Devia ser vaqueiro. Pecuarista, nem imaginar.

Mas, terminando o repasto, o boiadeiro mostrou quem era.

– Menino – chamou ele, puxando um maço grande de cédula de alto valor – , vá me comprar um sorvete.

– A quem tenho a honra? – disse então Corró, com uma mesura.

– Pode me chamar de Cavalcanti.

– Caro Senhor Cavalcanti, além do sorvete não lhe apetece um docinho caseiro?

O rolo de cédula continuava na mão do boiadeiro.

– Rodelas de banana? É o doce preferido da clientela. Carambola? Caju em caldas? – ofereceu Madame Carmen, mulher de Corró, que acompanhava a conversa e armou um sorriso cativante.

Sorvete tomado, docinho saboreado. Corró, que era de Belmonte. Levou Cavalcanti para conhecer os pontos principais da cidade.

Voltaram tarde à Pensão Vasco. Mas de dez da noite. Cavalcanti soltou um bocejo de desgovernar queixo e preparou-se para se recolher.

– Já? Tão cedo assim?

– Durmo com as galinhas.

– Que desperdício? – disse Corró. – Eu ia lhe propor companhia mais calorosas…

– Onde? Quem? – interessou-se Cavalcanti.

– Aqui mesmo. Uma rodinha de pôquer.

– Mas eu não sei jogar…

– O amigo olha, aprende logo, daí a pouco está ensinando…

Foram ao jogo. As rodadas de pôquer começavam às 23 h na Pensão Vasco, reunindo coronéis, gerentes de banco, comerciantes abastados. O boiadeiro Cavalcanti conseguiu perder pouco na primeira noite. Na segunda, contabilizou prejuízo maior. Mas aquele rolo de notas bancárias, alvo de olhares ávidos, diminuía com um ritmo que, na opinião dos parceiros, caracterizava a marcha lenta.

Ainda bem que, na terceira noite, o boiadeiro Cavalcanti colocou o maço ostensivamente no tampo da mesa, ao seu lado. Era um desafio acintoso. Devia haver ali uma bolada. Corró e seus amigos trocaram olhares enviesados, engolindo em seco.

– Um uísque, Coronel Cavalcanti – aventurou Corró.

Madame Cármen, em pessoa, trouxe a dose ambarina em pequena bandeja com toalha rendada.

– Esse é do bom, envelhecido 28 anos, a marca preferida da clientela.

– Hoje eu topo tudo – avisou Boiadeiro – Estou com a cachorra. É tudo ou nada, oito ou oitenta.

Os jogadores se entreolharam. Boiadeiro engoliu uma talagada e propôs em voz tímida que fossem dobradas, até mesmo triplicada as apostas. Estava cansado daquele joguinho fraco, maneiro. E assim se fez aquela noite na Pensão Vasco.

Numa sala próxima, Madame Cármen ouvia tudo e esfregava as mãos, prelibando perfumes franceses e sedas da China.

Quem imaginava um final diferente não conhece os modelos da esperteza humana. Isso mesmo , senhores: o vaqueiro ou boiadeiro Cavalcanti entrou em súbita maré de sorte e, ao cabo de três horas, já havia tomado uma parte da safra futura dos coronéis e o salário vindouro dos gerentes de bancos. Uma pequena fortuna.

Moral da historia: “Se um tigre invade um templo e não quer sair, melhor incorporá-lo ao ritual “.

Pois bem, Cavalcanti, o boiadeiro, for incorporado à Pensão Vasco. Corró deu-lhe quarto especial, com direito a três fartas refeições diárias e roupa lavada. Com seu

jeito ingênuo e fala trôpega de tabaréu do interior, Boiadeiro tinha apenas de sentar-se à mesa de jogo para atrair os incautos. Sempre que chegavam incautos a Ilhéus – fato que, naquele tempo, acontecia com certa frequência. “

Colaboração de Luiz Castro

Bacharel Administração de Empresa