QUALIDADE DE VIDA

Altenides Caldeira Moreau

Têm-se falado muito na qualidade de vida. Principalmente nas condições de vida das pessoas das grandes cidades em que há problemas de habitação, de saneamento básico, de mobilidade urbana, de saúde, de educação, de emprego, de poluição do ar e da água, de alimentação e de higiene, como também no domínio da saúde mental, envolvendo depressão, estresse, alienação e uso de drogas, do alcoolismo e da criminalidade.

Qualidade de vida se refere ao bem estar físico, mental, psicofisiológico, emocional e espiritual, além de relacionamentos sociais, como familiares e de amigos e ainda condições dignas de vivência e de trabalho e remuneração. É a realização profissional e financeira; é usufruir do lazer; é ter cultura e educação; é ter serviços de qualidade; ter transporte, segurança e condições ambientais saudáveis, morar bem, ter conforto; é amar a si próprio, as pessoas, a natureza e a vida.

Uma melhor qualidade de vida requer o suprimento de necessidades e de hábitos de funcionalidade do corpo, do emocional e do mental, aprimoramento das habilidades através do trinômio: boa alimentação, boa forma física e boa cabeça. É tornar a existência descomplicada; é fazer o que lhe dá prazer, com alegria, saúde e bom humor.

A qualidade de vida pode ser definida como sensação íntima de conforto, bem-estar e felicidade em situações de continuidade na vida. Os recursos econômicos e financeiros são básicos e indispensáveis para a qualidade de vida, sem desprezar outros fatores que se conjugam integrantes e integrados para compor o que se chama de bem-estar. Estes fatores estão ligados as condições de saúde física e mental, ao trabalho, ao emocional, a idade das pessoas, ao meio ambiente, enfim, ao contexto social, econômico e político em que as pessoas estão inseridas.

Nas condições atuais de vida de milhões de brasileiros, a qualidade de vida está longe de ser alcançada. Diante da falta de planejamento e de administrações públicas capazes de aproveitar e de distribuir adequadamente os recursos naturais e os produzidos em nosso País. A concentração dos meios de produção e da riqueza, da industrialização, dos bens e dos serviços e a falta de emprego e renda para esta população, avoluma o contingente de marginalizados do trabalho e dos benefícios do progresso. A ganância dos empresários aliados aos políticos administradores e legisladores, subestimando o valor do trabalho, com salários mínimos insuficientes para a sobrevivência e para a busca da independência financeira pelos trabalhadores, distancia cada vez mais os pobres dos ricos, criando cidades-favelas e periferias de desempregados em todas as cidades do Brasil.

Somente uma radical mudança na organização geral das sociedades para reorientar o desenvolvimento do Brasil, poderá dar início a um novo direcionamento do nosso futuro.

GOLPE DO BAÚ

Gilberto Carvalho Pereira

Durante a década de ouro do fruto do cacaueiro, que criava fortuna para os que acreditavam na lavoura, as filhas dos fazendeiros eram classificadas para casamento, pela quantidade de arrobas que o pai colhia. A cotação começava com dez mil arrobas anuais, mas que não despertava grande interesse. Muitos rapazes atraídos pela cobiça cortejavam a Região Sul da Bahia em busca de um melhor destino. Os que iam chegando de outras plagas, propagavam para os parentes e amigos o solo fértil da região.

Assim aconteceu com Carlos Alberto, mineiro que já contava com alguns primos morando na cidade de Itabuna, centro difusor das riquezas da região. Belo moço, alto, cabelos castanhos e vastos, olhos verdes, corpo atlético, 22 anos de idade, tudo o que as moças das roças de cacau do Sul da Bahia sonhavam para ter como namorado. Sua chegada convulsionou os rapazes do local, o moço era hostilizado continuadamente, mas sempre defendido pelas garotas da cidade. O seu modo de vestir, nada discreto, recebia crítica da rapaziada, que o taxava de afeminado. Ele não era nada disso, só queria chamar a atenção das moçoilas que rodopiavam pelas calçadas da Praça da Prefeitura, em busca de classificação para um bom casamento.

Uma das barbaridades que fizeram com o rapaz foi jogar pedra em seu velho fusca, adquirido com o dinheiro ganho em desfiles de moda promovidos na região. Desfilava também em troca de roupas fornecidas pelas boutiques locais, vindo daí a extravagância de seus modelitos. Ele não se importava, sabia que um dia seria recompensado pela insistência em buscar um casamento acima de 50 mil arrobas, foi uma aposta que fez com um amigo.

A região prosperava, o cacau vendia bem, e em dólares, a lavoura respondia ao trato que lhe era dado, a produtividade aumentava e com isso a produção. Carlos Alberto também prosperava, passou a ser aceito pela sociedade local. Era sempre convidado a ser padrinho de festa de 15 anos, a dançar com a aniversariante. Um rico cacauicultor o convidou para trabalhar em sua empresa, que além das fazendas, construía prédios, era dono de uma concessionária de carros, tinha hotel, era exportador de cacau, e tinha fortes ligações políticas locais e no estado. Tinha voz entre os representantes dos cacauicultores

Não poderia ser diferente, com um padrinho como esse, as coisas estavam andando muito bem. O padrinho tinha uma filha, não era bonita, mas cabia nos planos do mineiro, casar-se com uma moça rica, mais do que rica, uma moça cheia do cacau, como se dizia nas cidades da região sobre aqueles que detinham muito dinheiro, proveniente do cultivo do fruto ouro.

O casamento não tardou, a cidade engalanou-se, políticos de toda a região foram convidados, o governador também. Não se falava em outra coisa, muitos não conheciam o noivo, que ficou encoberto até os colunistas sociais locais revelarem o nome do misterioso pretendente à mão da princesa do cacau. Mesmo depois da divulgação do nome do afortunado, muitos se perguntavam quem seria ele, seu currículo jamais conseguiu atravessar às fronteiras da cidade. Boatos e cochichos corriam pelas esquinas das principais ruas da cidade. Para uns a pergunta era: qual o motivo de tão inesperado casamento? Outros já tinham a resposta na ponta da língua, gravidez sempre apressa casamento!

A preocupação dos políticos era se esse homem estava sendo preparado pelo seu mentor, para ser candidato a algum mandato, talvez prefeito, as eleições estavam próximas. Os políticos mais cismados estavam preocupados com o seu amanhã, quem o chefão botaria para escanteio, para colocar o apadrinhado? Durante a missa, eles já marcaram uma reunião da bancada regional para segunda-feira, já queriam discutir esse assunto.

O casamento, com muita pompa aconteceu, cozinheiro vindo da capital foi o responsável pelo Buffet para 500 convidados, a mesa de frios, como entrada, contou com damascos com queijo

brie, carpaccio de salmão defumado, endívias com patê de foie e zuchinni (abobrinha) flambada ao azeite extra virgem com mozzarela de búfala e grana padano. Rolou whisky importado, várias procedências, vinho branco e tinto “de 1ª linha” e espumante importado. O jantar foi deslumbrante, o chef não divulgou a ementa, mas todos saíram satisfeitíssimos.

Dois meses depois o casamento deu com os burros n’águas. A noiva viajou para a Europa, o noivo perdeu o emprego e fugiu da cidade, correndo dos cobradores de dívidas e da polícia, pelo baita desfalque que o meliante deu nas empresas do sogro. A recompensa oferecida pelo ex-sogro movimentou a cidade por duas semanas, depois disso o povo cansou e não se falou mais no bonitão.

O NASCIMENTO DACRÔNICA

Machado de Assis

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.

Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho ainda do que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem.

Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano.

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.

Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contudo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra.

Não afirmo sem prova.

Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido!

Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, e daí às

nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?

O texto de Machado de Assis foi publicado no livro “Crônicas escolhidas” (São Paulo: Ática, 1994. p. 13-15) e extraído da obra “As Cem Melhores Crônicas Brasileiras”, organizada por Joaquim Ferreira dos Santos (Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 25-26).

O PENSAMENTO DA SEMANA

E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. João, 8:32. Assim falam os políticos em sua posse.

A POESIA DA SEMANA

TRES MESES DE QUARENTENA

(COVID 19)

Luiz Ferreira da Silva

O tempo urge

O vírus ruge

O impaciente muge

A ignorância turge

E a desavença surge

A mulher se dana

A filha se estabana

A empregada espana

A gurizada, sacana

O pai dá uma tapona

A guerra detona

O Chefe emburra

A patroa se segura

Ninguém se atura

O fel se apura

Isolamento sem cura

Parar para organizar

Assim, não vai dar

A covid 19 vai nos pegar

Meditar e rezar

Temos que repensar!

Cada qual na sua

Esquecer da rua

Limpeza que sua

Sentar a pua

Realidade nua e crua

(27/06/2.000)

A PIADA DA SEMANA

Dois amigos se encontram depois de muitos anos. – Casei-me, separei e já fizemos a partilha dos bens.

– E as crianças? – O juiz decidiu que ficariam com aquele que mais bens recebeu.

– Então ficaram com a mãe?

– Não, ficaram com nosso advogado.

oOo

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