DO FUNDO DO BAÚ DE JOSÉ LEITE (ESPECIAL)
1) PADRE CÍCERO, DR. GERALDO E O PAPAGAIO.
2) AS FOTOS DESTAQUES DA SEMANA.
Lembro-me do dia em que falei, pela primeira vez, com o Padre Cícero. Estava para completar sete anos de idade e escapuli de casa sem que minha mãe soubesse, dirigindo-me ao casarão do sacerdote, distante pouco menos de um quarteirão. Levava um propósito em forma de sonho de criança. Entendi de pedir ao padre um dos seus bonitos papagaios faladores, trazidos pelos romeiros.
A grande porta estava fechada, porém, com ajuda de um dos devotos que enchiam a calçada, subi a janela alta e logo saltei na sala grande e dalí entrei no primeiro quarto. Parei diante de um velhinho de cabeça recurvada, sentado numa rede, de mãos e queixo apoiados num cajado. Estava rodeado de romeiros que lhe falavam. Tão próximo me coloquei que o sacerdote virou-se, olhando-me com pequeninos olhos de um azul que trazia a serenidade de um céu ao amanhecer. Surpreso com a envolvência daquele olhar, logo escutei sua voz bem mansa, bem calma:
– E o meu amiguinho também é romeiro?
Respondi-lhe que não. Morava alí pertinho e que era filho de José Barbosa. Percebendo que alguma coisa não estava certa, por me encontrar alí desacompanhado, Padre Cícero iniciou um diálogo que nunca esqueci.
– Ora, muito bem. E o que anda fazendo por aqui, sozinho, o filho do meu compadre Zé Barbosa?
Foi o instante certo para lançar o meu pedido tão sonhado.
– Padim Ciço, eu vim pedir ao senhor um papagaio…
Ouve-se uma risada geral dos romeiros, escutando aquela conversa entre uma criança e um patriarca tão famoso.
– Muito bem… quer ganhar um papagaio… e o meu amiguinho já está na escola?
Expliquei que estudava com dona Dorinha, lendo a carta do ABC.
– Pois, preste atenção – disse-me o Padre – So vou lhe dar um papagaio quando estiver lendo a Cartilha – e passando a mão sobre meus cabelos louros em desalinho, concluiu – Estude. Estude que você vai ser muito feliz. E quando chegar na Cartilha, mando-lhe um papagaio.
Voltei para casa, triste. Minha mãe me procurava. Nada lhe revelei. Meses depois, chega a nossa porta uma serviçal da casa do Padre conduzindo no dedo um belo papagaio.
– Padim Ciço mandou deixar esse papagaio para o filho do seu Zé Barbosa.
Exultei de alegria. Já nem me lembrava mais. Sei bem que lia a Cartilha e já escrevia frases. Até 1939, o papagaio permaneceu conosco, quando foi doado para o leilão de Nossa Senhora, por motivo de mudança da família para Fortaleza onde meu pai matriculou-me no Liceu do Ceará.
Nas minhas grandes dificuldades de estudante pobre, confortava-me a lembrança das palavras do Padre Cícero: “Estude que você vai ser muito feliz”. Estudei. Venci. Conquistei minha formatura em Odontologia, além do Magistério e Jornalismo. Como me animou o saudoso patriarca, sou feliz, graças a Deus. Agradeço aquele que me presenteou no meu sonho de infância e me estimulou ao caminho da educação.
ARTIGO ESCRITO POR DR. GERALDO MENEZES BARBOSA – Do Instituto Cultural do Vale Caririense, escritor, e Presidente da Comissão do Centenário.
PADRE CÍCERO NASCEU EM 24-03-1844 E FALECEU EM 20-07-1934.
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Texto e fotos: José Leite de Souza
jleitesouza@hotmail.com