Dom Mauro Montagnoli / Bispo diocesano de Ilhéus

Dom Mauro Montagnoli / Bispo diocesano de Ilhéus

Na Quaresma celebramos a CF. No Texto base (n. 212-213) encontramos uma profunda reflexão sobre os enfermos dentro da Igreja: “Quem permanece por muito tempo próximo das pessoas que sofrem, conhece a angústia e as lágrimas, mas também o milagre da alegria, fruto do amor’. Com estas palavras, o Papa Bento XVI descreve uma experiência edificante do sofrimento. Na Igreja, os doentes evangelizam e recordam que a esperança repousa em Deus. Deste modo, no contexto eclesial, os doentes e os sofredores não se resumem a destinatários de atenções e de cuidados. Exercem o protagonismo na evangelização com um testemunho profundo, o do sofrimento aceito e oferecido, o milagre do amor”.
A Palavra de Deus, que ouvimos neste domingo, apresenta a destruição do mundo dominado pelo mal e pela morte e aponta o surgimento de um novo mundo e o nascer de uma nova sociedade. O dilúvio purifica o mundo do mal e faz surgir uma nova humanidade, plantada na gratuidade da aliança que Deus faz conosco.
A história  do dilúvio é muito antiga. Está na Bíblia porque tem ensinamentos muito importantes. Encontramos um ensinamento eterno sobre a justiça e a misericórdia de Deus, sobre a maldade do homem e a salvação concedida ao justo. Deus não castiga os homens. Somente tem amor por eles e os quer felizes. Deus não fica indiferente diante das ações e projetos dos homens. Suas obras boas e também maldades, egoísmos e injustiças não passam despercebidos diante de Deus.
Como Pai, Deus intervém para criar uma nova sociedade. O dilúvio não é um desastre provocado por Deus, mas um retrato da ruína que os pecados provocam.
No Salmo responsorial, cantamos: Deus eternamente fiel e amoroso, mostra-se como o Deus da salvação.
São Pedro proclama o kerigma, isto é, o conteúdo essencial da fé cristã: a morte do Cristo pelos pecadores e sua ressurreição. Acrescenta, todavia, um elemento original: “Ele foi também pregar aos espíritos na prisão”. O Catecismo nos ensina que: “Jesus conheceu a morte como todos os seres humanos e com sua alma esteve com eles na Morada dos Mortos. Mas para lá foi como Salvador, proclamando a boa notícia aos espíritos que ali estavam aprisionados” (n. 632).


Aparece ainda a ligação das águas do dilúvio com as águas do Batismo. Os efeitos da água do dilúvio estão presentes, simbolicamente, nas águas do Batismo: destruição do homem antigo e nascimento do homem novo. É Jesus Cristo, o Ressuscitado, que comunica pela água do Batismo a força capaz de destruir o pecado e a morte e nos ressuscitar para uma vida nova. Ser batizado significa entrar na Igreja, comunidade dos redimidos.
No evangelho, Jesus está no centro de toda renovação e vida nova. Em sua vida sempre derrotou o mal e venceu o pecado. É o novo Adão que nos introduz na humanidade renovada.
O que Jesus nos quer ensinar com o evangelho de hoje? O Espírito, logo depois de descer sobre Jesus no Batismo das águas do Jordão, o envia para o lugar da tentação. Tudo acontece no deserto durante 40 dias. Aqui, por tentação deve se entender as situações que temos que viver ou enfrentar, nas quais precisamos fazer opções e escolhas. São ocasiões e oportunidades para fortalecer a fé e professar nossa fidelidade.
No Batismo recebemos o Espírito Santo, o mesmo Espírito que animava Jesus. Isso não significa que estejamos livres de dificuldades e provações. O Espírito nos impele e fortalece para sermos discípulos missionários no deserto da vida, nos conflitos da sociedade, nas lutas por justiça, pão, saúde.
Jesus é tentado no deserto durante 40 dias. “Quarenta dias” quer dizer uma vida inteira, de manhã à noite, em todas as circunstâncias. Deserto, na linguagem antiga, era o local onde moravam os inimigos do bem. Marcos quer mostrar que Jesus, ao sair das águas do Jordão, batizado por João Batista, teve que viver em luta permanente, durante toda sua vida, contra as propostas do inimigo, opostas ao Plano de Deus.
A salvação é o ponto de convergência das leituras deste 1° domingo da Quaresma. Jesus Cristo é o novo Adão, que, no deserto da tentação e da oração, salva o homem de suas tentações e de seu pecado, e o convida a entrar mediante a conversão e a fé no Reino de Deus.
No final do evangelho, está o resumo da pregação de Jesus: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,14-15).
Este é um convite concreto e pessoal de Jesus dirigido a todos. Chegou o momento de mudar, abrir o coração para o novo e acolher com alegria a proposta de Jesus. Quaresma é para isso. É um caminho rumo à Páscoa reassumindo nosso Batismo. Isso exige conversão. É preciso acreditar na boa notícia: Jesus pode nos redimir e salvar.
Esse é o resumo da caminhada quaresmal. É preciso, portanto, nos colocarmos a caminho: intensificar a vida cristã, ouvir a Palavra de Deus, dedicar mais tempo à oração e ao jejum, nos convertermos ao Senhor e aos irmãos. Jesus no deserto, vencedor das tentações, é a luz a iluminar o nosso caminho.
Na reunião da comunidade, no Dia do Senhor, faz-se memória de Jesus no deserto e com ele se inicia a peregrinação quaresmal. Toma-se consciência da sua missão no mundo com tantas provocações, tentações e desafios.
Aí a comunidade é chamada a celebrar a prática de Jesus e a assumir a construção da nova sociedade. Sim, a comunidade se reúne no deserto do mundo com Jesus, que foi tentado pelo demônio.
Aí ela ouve a Palavra de Deus. A partir da Palavra e com a Palavra de Deus a comunidade sofre as provações e é chamada a vencer as tentações de Satanás. Confessa sua confiança no Senhor. Deixa-se impregnar pela força pascal do Ressuscitado.
Reza-se o Pai-nosso, ao redor da mesa da Eucaristia, proclamando Deus como Pai e aceitando a todos como irmãos e companheiros de jornada.
Alimenta-se do Pão e do Vinho, Corpo e Sangue dele entregues para a salvação do mundo, para assimilar, em seu ser e em suas atitudes, as posturas e práticas de Jesus, sempre fiel ao Pai.

“A nossa vida, enquanto somos peregrinos na terra, não pode estar livre de tentações, e o nosso aperfeiçoamento reaiza-se precisamente através das provações. Ninguém se conhece a si mesmo se não for provado, ninguém pode receber a coroa se não tiver vencido, ninguém pode vencer se não combater, e ninguém pode combater se não tiver inimigos e tentações. Cristo foi tentado pelo demônio. Mas em Cristo também tu eras tentado. Se n´Ele somos tentados, n´Ele venceremos o demônio”.
(Santo Agostinho, Comentário aos Salmos)