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HISTÓRIAS DE UM ILHEENSE

ALGUMAS HISTÓRIAS PITORESCAS

por Tomé Pacheco

Tomé Pacheco

Tanto na Casa de Detenção do Carandiru quanto na Penitenciária do Estado de São Paulo existiam entre os detentos os chamados “cabeções” (aqueles detentos que se achavam donos do “andar”). Eles tinham todas as mordomias. Isso se dava em razão de chefias corruptas que recebiam propina para deixar esses “cabeções” à vontade.

No 3ª andar do Pavilhão 8  havia o Osmazão. O cara mandava e desmandava no andar e muitas vezes só ia para tranca quando bem queria. Morava num xadrez grande, todo carpetado, com chuveiro elétrico etc. E ainda escolhia a dedo um “pituca” para ser seu amante e mordomo. Surgiu a conversa que esses “cabeções” nem todos, claro, quando deitavam na “jeca” (cama) com seu “pituca” se transformavam, era um tal de troca-troca que Deus me livre! Só que o “pituca” não era louco de bater com a língua nos dentes, porque senão já viu: morria, ou então ia para o Pavilhão 5, lugar mais seguro para não morrer.

Esses tipos de pessoas também tinham seu lado útil porque sabiam de tudo que se passava no pavilhão em que era lotado, e muitas vezes na cadeia toda. Eles viravam então uma espécie de “cagoete”, evitando muitas tragédias dentro da Detenção ou da Penitenciária.  Costumavam ter uma rede de informantes e centenas de “laranjas”. Eram os “leva e traz”, todos de confiança deles.

Quando liberávamos às 8:00 horas, eles iam para os setores dentro do pavilhões, a exemplo do Pavilhão 2 que era o de alimentação, ou para o Pavilhão 6 (Administrativo), ou o Pavilhão 4(Hospital), ou Pavilhão 7 (Patronato –Trabalho). Os vagabundos dos vagabundos, ou seja, os “leva e traz iam para o mine-campo praticar algum tipo de esporte e lá ficar arquitetando como sair dali. Jogavam conversa fora e muitas lorotas. Para eu saber das coisas eu dava corda e deixava os caras contarem as estórias deles do tipo “eu assaltava grandes firmas de preferências multinacionais ou então bancos”, que faziam e aconteciam como já troquei muitos tiros com policiais” e algumas vezes apontando para a segurança do Presídio na muralha largavam: “e com essa gente armada até os dentes”. E animados completavam que com segurança de banco, não trocava tiros não, “pegava-os, tomava-lhe as armas e, tome porrada”.

Nesse vai e vem das estórias eu costumava falar “Rapaziada, até o momento eu só ouvi estórias de assalto a empresários e a bancos. E quem assaltava operários, motoristas de táxi, será que estão mortos, ou presos em outras cadeias?”. E ampliando a conversa eu dizia: “Olha rapaziada, por hoje chega de suas mentiras. Vão jogar a bola de vocês. Amanhã vocês continuam contando suas aventuras”

Certa vez na Penitenciaria do Estado um preso por nome Kalil me contou essa estória “Tomé, eu assaltei a Johnson Johnson de Campos de Jordão. Este cara foi preso pelo DEIC. Estando preso e com muita grana escondida na rua, alguns tiras cresceram o olho. Então por vezes retiravam-no da cela e baixavam o cacete para que o detido confessasse onde estava a muamba. Foi assim que esse detido confiou em dois desses tiras e, através de seu advogado, mandou dar uma boa grana para ambos em troca da liberdade. Mas os policiais o traíram e não cumpriram a palavra. E ainda discutiram com quem iria ficar com mais dinheiro. Viraram então para o Kalil e falaram: “Você vai ter que dar mais bufunfa porque foi pouca”. Kalil então retrucou “Podem me matar no pau, mas não dou um centavo a mais para vocês, seus cafajestes”. Rapaz, coitado do Kalil! Só sei que quando chegava ao Hospital da Penitenciaria, era em cacos: perna, braço, mandíbula, enfim, tudo quebrado. Quando ficava um pouco melhor, já andando e falando, era novamente requisitado por esses falsos “tiras” e o pau comia novamente. Foi assim por várias vezes, até eles desistirem, conscientes que ficaram que o Kalil não iria dar mais nada. E dizia para mim meio emocionado “Tomé, acredite, não levaram mais nem um tostão. Não foram homens de cumpri a palavra.   Podiam até me matar no pau, mas eu estava decidido”.

Esse preso, o Kalil, tinha uma inteligência privilegiada. Só que a maioria das vezes não usava para o bem. Ele tinha contrato com uma editora de palavra cruzadas. Chegou até a escrever livros sobre palavras cruzadas. E ganhava uma grana forte com esse seu trabalho.  Eu cobrava dele: “Aí Kalil, use essa sua inteligência para o bem, pois quando você sair daqui poderá viver decentemente sem pegar nada dos outros”. Ele respondia “Estou pensando, Tomé, estou pensando!”.  Como nessa ocasião eu fui transferido para a Penitenciaria Feminina, perdi o contacto totalmente com ele.

Certa vez, o Tichac, aluno da escola de árbitros da turma de 84, foi apitar um jogo na Penitenciaria Feminina e perdeu um anel de ouro português e me comentou. Então eu chamei meus auxiliares, meus guarda-costas e bolei a seguinte estória: “Olha galera, o Sr. Dirceu da escola de árbitros da Federação Paulista de Futebol não vai mais mandar árbitros devido ao sumiço do anel do Tichac”. Eles ficaram surpresos e falaram: “Calma aí chefia que esse anel vai aparecer já”. E saíram à caça. Só sei que em menos de vinte minutos o anel apareceu. Também com a influência deles no Presídio, não podia dar outra.

Outra feita foi o Não se Bula. Esse preso chegou para mim e fez uma proposta: “Tomé, eu tenho uns bagulhos em minha casa. Vá lá pegar que você não vai se arrepender”. Então eu respondi pra ele: “Não se Bula, senta aí e vamos conversar. Eu até posso ir pegar seus bagulhos, porque todo homem tem seu preço e eu não sou diferente, só que o meu é muito alto. Pra começar terei que tirar minha família do país (três filhos e uma mulher), e deixar uma boa grana de reserva, pois se der sujeira, terei como pagar os honorários de um bom advogado. Eu sei muito bem que esses seus bagulhos não vão dar para cobrir tudo isso. Então vamos fazer o seguinte: você é um cara malandro, respeitado, considerado na massa. Fica o dito pelo não dito. Para todos os efeitos nunca tivemos esse tipo de conversa, combinado?”. Desse dia em diante, nenhum outro presidiário  veio mais com propostas indecentes pra meu lado. E o efeito foi o seguinte: como Não se Bula era respeitado na massa, alarmou na Penitenciária toda que comigo não tinha acordo, era 8 ou 80. Daí em diante não houve mais essas propostas. Não direi que era praxe lá dentro, mas muito policiais aceitavam esse tipo de oferta. Graças a Deus eu tinha um bom salário, uma família linda, bem estruturada, então, pra que eu iria me envolver com porcaria! Se a liberdade é andar na rua de cabeça erguida e dormir o sono dos justos, eu segui esse preceito, que acredito seja o das pessoas de bem.

Termino o 18º capítulo e o final dessa “História de um Ilheense”, que teve como foco minha passagem pelo Presídio Carandiru do Estado de São Paulo, na expectativa de um apoio, para que eu possa transformar em livro essa vivência.

1 resposta para “HISTÓRIAS DE UM ILHEENSE”

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