Francisco Brennand e a Arte Cavalheresca
Guilherme Albagli
As Artes florescem em todos os grupos sócio-culturais humanos, podendo ser classificadas, por este critério, em “arte cortesã”, produzida para as cortes reais; “intinerante”, quando os artistas se deslocam para apresentação do seu trabalho; “popular”, aprendida sem escolas formais; “erudita”, dependente de treinamentos especializados; “sacra”, aquela produzida para entidades religiosas; “totalitária”, produzida para enaltecimento e manutenção de grupos de poder; “industrial”, criada para a sua reprodução em massa; “tecnológica”, dependente de técnicas inovadoras; “folclórica”, uma arte de elite migrada a grupos sociais desfavorecidos; “profissional”, realizada por artistas que sobrevivem economicamente deste trabalho; “amadora”, a de todos nós, ao assoviarmos na rua, cantarolarmos ao banho ou escolhermos a nossa roupa ou as plantas do nosso jardim; e a “cavalheresca”, aquela de grupos favorecidos economicamente, próximos aos centros decisórios de poder, que produzem a sua arte por puro deleite, sem interesse ou necessidade da sua comercialização.
No Século XIX chegou ao Sul do Brasil um cidadão inglês de Manchester que, curioso das coisas do Nordeste do Brasil, passou à Bahia, Alagoas, se fixando em Pernambuco. Seus filhos e netos se casaram com mulheres da elite local, gente dos Albuquerque, Cavalcanti, descendentes dos primeiros donatários aparentados com as casas reais portuguesas do Século XV. Conjugando trabalho, estudo e honradez, os Brennand se tornaram uma poderosa família no ramo da indústria cerâmica e vidreira ao adquirirem, na Várzea do Capibaribe, uma gleba onde instalaram gigantescos galpões com fornos especiais que produziram porcelanas de qualidade comparável à de poucos países europeus.
Mas a fábrica fechou por décadas e a Mata Atlântica retomou o seu espaço no grande parque industrial, voltando a crescer árvores frondosas dentro e fora dos galpões de tijolos vermelhos.
Francisco, herdeiro dos capitães-de-indústria pernambucanos, sem preocupações de ordem econômica, desde cedo mostrou vocação à criação artística e, nos anos de 1970, resolveu reativar o parque abandonado, o transformando numa gigantesca oficina renovada onde produz arte seriada e obras originais – pinturas e cerâmicas artísticas de excelente categoria estética -. Sem a necessidade de vender as suas obras originais, conservou a sua maior parte num acervo privado que está entre o que de melhor existe na arte sul-americana.
Embora um erudito inspirado na arte folclórica e popular, usando recursos tecnológicos de ponta, um profissional na venda de utilitários produzidos sob encomenda e, também, um amador que guardou para exibição pública um excepcional conjunto do melhor da sua obra, Brennand, com o seu semblante de sábio rabino, bem poderia ser definido como um “artista cavalheresco”.
Na América Latina, poucos acervos de museus do México e Perú suplantam a força das diversas coleções expostas na Oficina Brennand da Várzea do Recife. No Brasil, não há nada semelhante, enfocando períodos, regiões, estilos ou artistas. Suas cerâmicas escultóricas surrealistas são quase todas inspiradas em motivos eróticos velados, masculinos e femininos, mas totalmente desprovidos de qualquer agressiva vulgaridade.
Por táxi, se chega lá por R$ 35, partindo do centro da cidade. Por ônibus, se vai até ao ponto final da Várzea, dali tomando um táxi (R$ 6) até a oficina, que fica dentro de uma mata fechada à margem do rio. Ali tem um café-restaurante com muito charme, onde estão disponíveis catálogos das pouquíssimas peças à venda, entre R$ 7000 e R$ 80000. Um metro quadrado de azulejos para compor o tampo de uma mesa de chá lhe será remetido por R$ 290.
Vale ir ao Recife só para conhecer este museu – parque – fábrica – atelier, fechado aos fins de semana, que eleva a nossa auto-estima e enriquece o Patrimônio Cultural Latino-Americano.