Alfredo Amorim em: “10TAQUES”.
De 28 de setembro de 1939
Magali
Em 1909, um acontecimento imprevisto despertou está cidade da sua pacatez habitual. Um grupo de oito bandoleiros, chefiados por um homem baixo e simpático, surgiu um dia sem se saber de onde viera. Intitulavam-se artistas de um grande circo. Eram todos estrangeiros: ingleses e americanos. Magali, o chefe, dizia-se brasileiro, filho dos pampas. Entre eles contavam-se dois engenheiros e um major reformado do exército inglês. Esse homem já sexagenário, era de uma intrepidez assombrosa. A duzentos metros de distância , abateu com um tiro de revolver de cavalaria um soldado do destacamento, que, ouvindo as contínuas descargas de fuzilaria, descia da Conquista para recolher-se ao quartel. Wilson, o engenheiro, entusiasmado pelo feito, deu-lhe os parabéns. O major ,fleumático, concertava os arreios do animal a uns vinte metros distante do quartel. Foi quando o sargento, comandante do destacamento, alvejo-o e fez fogo. A bala não alcançou o alvo. O major sacou do seu revolver infalível, com um riso nos lábios, e , ia castigar o importuno, quando o segundo tiro do sargento prostou-o já sem vida. O sargento era intrépido; da esquina da prefeitura onde estava, alvejou um outro que fugia cavalgando um animal, que, alcançado pelo projétil, tombou. Os demais fugiram, praia em fora, em linha reta, deitados sobre os animais, para evitar as balas que choviam sobre eles.
Esse feito repercutiu em todo o país. Na manhã do dia seguinte, aqui chegava o Esquadrão da Cavalaria da Bahia para ir-lhes ao encalço. Olavo Bilac escreveu uma crônica a respeito do caso estranho. Qual o ideal desses homens loucos, até hoje ninguém sabe.
Eu fui testemunha do caso singular. Assisti ao valor e heroísmo do povo de Ilhéus, que soube repelir o assalto imprevisto. Até as crianças e as mulheres se armaram, prontos para a defesa. Perambula ainda aí pelas ruas, um pobre homem – Turisco – que perdeu uma perna.
Dois homens perderam a vida no ataque insólito. Quando todos foram presos e recolhidos à cadeia local. Magali – o sonhador impenitente – era o querido das mulheres (admiradoras sempre dos homens incompreendidos). A cadeia regurgitava de senhoritas em visita ao homem que efetivamente, era, insinuante e gentil. Magali falava o português corretamente, era inteligente e a sua palestra encantadora prendia o belo sexo. Conversamos muitas vezes. Nesse tempo eu fazia parte da redação do jornal “A Luta”. Nunca pude compreender aquele homem. Era um louco, completamente dominado pela idéia fixa da conquista de um poder absoluto sobre todos os homens.
-Meu amigo, dizia ele, a vida que a maioria dos homens passam, nessa monotonia, erma de emoções, não tem vislumbre de ideal. Você é muito moço ainda para compreender esses sentimentos altruísticos. Devemos lutar por um princípio. Devemos ter uma finalidade qualquer. A vida sem emoção, vida animal, que decorre numa pacatez sombria de incapazes, não é a vida dos homens superiores. Deve haver um ideal em todo isso. O homem só deve viver isento de preconceitos banais, sem obediência, coisas sedicas, mas alimentando o ideal de perfectibilidade humana. Hei de vencer ainda, creia. Militam contra mim, ainda, as condições do meio inadotável a idéias tão sublimes. Tive o poder de convencer esses homens que me acompanharam e que como eu, são amantes de imprevistos. Não pense que há entre eles, indivíduos boçais. São todos ilustrados; alguns deles pertencentes a famílias abastadas.
Magali era um louco. Era um Dom Quixote moderno. Possuía um poder tão extraordinário de sugestão, que, até as mulheres, ficavam cativas de sua fantasia delirante de incompreendido.
A. Seixas Martins