Margareth Menezes pede mais atenção às raízes do povo

Margareth Menezes - Foto: Estúdio Gato Louco

Uma existência significativa, transformadora e comprometida com a arte, assim se pode resumir a trajetória de Margareth Menezes. A atriz, cantora e compositora baiana não se deixa iludir pelo sucesso, fruto de mais de duas décadas de carreira, com 13 CDs/LPs, três DVDs e 21 turnês internacionais, nas quais projetou seu nome no cenário mundial, a ponto de ter sido reverenciada como “deusa” pelo jornal francês Le Monde e ser chamada pelo Los Angeles Times de “Aretha Franklin brasileira”.

Maga, como também é conhecida, faz da simplicidade o seu ponto de equilíbrio: “Prefiro ser uma pessoa pé no chão. Quero acertar muito mais como Ser Humano”. E costuma refletir no que realmente deve ser prioritário: “De que forma está a minha relação com a vida, a minha relação com Deus?”.

A coerência com seus princípios explica muitas escolhas, inclusive o fato de manter-se fiel às próprias raízes. Nascida e criada na Cidade Baixa de Salvador/BA, a artista diz que há bastantes motivos para não se afastar da terra natal e de sua gente. A família mora ainda por lá, incluindo a mãe, dona Diva. Com sentimento de gratidão pelo que recebeu,
Margareth escolheu o bairro da Ribeira também para instalar o projeto social Fábrica Cultural, criado por ela há dois anos para promover a inclusão de jovens em situação de vulnerabilidade.

Desde o início de sua trajetória, interpretando samba-reggae, depois o ritmo da axémusic, até mesclar a percussão baiana com batida eletrônica, a música pop e romântica, a artista continua (re)vi¬si¬tando todas essas referências. E essa musicalidade está bem viva em seu recém-lançado DVD Naturalmente acústico.

No fim de setembro, Margareth emprestou sua imagem para uma causa solidária, ao participar da sessão de fotos e gravação do vídeo institucional da Campanha Natal Permanente da LBV — Jesus, o Pão Nosso de cada dia!. Essa tradicional ação da Legião da Boa Vontade busca oferecer um Natal mais feliz, digno e sem fome a milhares de famílias de baixa renda, que ao longo do ano também são beneficiadas pelos programas da Legião da Boa Vontade. As fotos e filmagens foram feitas no Centro Comunitário de Assistência Social da Instituição na capital baiana, onde a cantora concedeu entrevista à BOA VONTADE.

BOA VONTADE — Nós, da LBV, nos sentimos felizes em contar com você nesta campanha solidária…
Margareth Menezes —
Obrigada, o [meu] carinho também. Para mim, é um prazer. A obrigação de qualquer profissional é buscar fazer o seu melhor.

BV — O que tem a Bahia que tanto inspira o Brasil?
Margareth —
A questão histórica, a descoberta do Brasil, várias coisas aconteceram aqui, os primeiros movimentos, além da questão da mistura, da cultura. É um povo formado por muitos elementos, e isso tem a ver com o próprio processo do país, da gente como um todo. O nosso país é formado por várias culturas, isso dá um diferencial. E a Bahia tem participação muito forte dentro desse conceito de brasilidade.

BV — O movimento Afropop Brasileiro, projeto que comanda há cinco anos, leva também essa mensagem?
Margareth —
Mostra a formação social e cultural da Bahia, do Brasil, justamente por essas influências todas, principalmente pelo legado forte dos africanos, povo que foi trazido e que colaborou de maneira efetiva para o desenvolvimento do país. Essa é uma luta pelo reconhecimento, para proporcionar oportunidades às pessoas de se desenvolverem mais e ter acesso a todas as coisas que uma sociedade pode oferecer; ainda mais em uma nação como a nossa, que precisa se qualificar para poder tomar parte deste momento novo de desenvolvimento. Hoje vemos milhares de vagas de trabalho sem pessoas preparadas para assumir, e isso é uma controvérsia tão grande para um país que tem tanta necessidade, pessoas na miséria. Então, trazem gente de fora para assumir cargos que, na verdade, pertencem aos brasileiros… Isso é o que compõe o discurso do movimento Afropop, não é a questão política, mas de consciência humana.

BV — Na sua opinião, os brasileiros desconhecem a própria história?
Margareth —
Desde a descoberta do Brasil, dessa [região] conhecida antes de alguma forma, pois havia registros dessas terras anteriormente à própria pseudodescoberta; do pau-brasil chegando à Europa, à Itália… Existem elementos ainda guardados, então, se formos ver bem, não se conhece a nossa história real; alimentamos algo em função de determinadas situações que a sociedade programou, da chegada do português… mas há o conhecimento da cultura indígena, coisas que às vezes a floresta tem de tão positivo para a vida, e a gente atropelou o povo que já estava aqui. Depois, vem o africano com os seus conhecimentos naturais e colaboração. Tudo isso precisa ser resgatado e reconhecido para verdadeiramente termos um país mais real.

BV — Da infância, a família, o que mais valoriza?
Margareth —
A família da minha mãe é de pescadores, pessoal que veio de Ilha de Maré [próximo a Salvador]; meu avô trabalhava na vedação de saveiros, é uma família de marisqueiros. Da parte do meu pai, Antônio Cardoso, era o pessoal que cultivava a terra; a minha avó era roceira mesmo de plantar, meu avô também. Venho dessa coisa bem simples mesmo, e aí essas duas famílias se uniram pelo casamento na Península Itapagipana, aqui na Ribeira. A minha infância é muito parecida com a dessas crianças que estão tendo acesso às coisas na LBV. Meu universo era muito gostoso, pobre, mas ao mesmo tempo rico; eu ficava encantada, até hoje sou muito encantada com o mar.

BV — Você se apresentou em Durban e Johannesburgo, na África do Sul. Qual o sentimento de participar como uma das atrações da primeira Copa do Mundo no continente africano, ocorrida em 2010?
Margareth —
Foi relevante pela história que a África do Sul tem para contar ao mundo, principalmente em relação ao Nelson Mandela, algo meio mágico. Ele, assim como o Mahatma Gandhi, é uma criatura especial. Um Ser Humano mobilizando a nação, o continente e o mundo em função da necessidade de justiça. Tenho uma admiração grande por Nelson Mandela, por ter conseguido transformar a sociedade sul-africana, e a Copa veio consumar uma mudança, mostrando como é essa realidade a pessoas de todo o planeta. Para mim, foi importante poder ter ido lá, em Angola também, ver o que podemos aprender de novo.

BV — Contralto, voz forte, presença marcante e interpretação segura… tudo isso encantou o público em turnês na Europa e nos Estados Unidos. Já se acostumou aos elogios?
Margareth —
Isso são boas referências, termos comparativos relevantes, mas o melhor é ter consciência profissional, o cuidado para não achar que é muita coisa, pois não é bem por aí; prefiro ser uma pessoa pé no chão. Quero acertar muito mais como Ser Humano. De que forma está a minha relação com a vida, a minha relação com Deus? Isso é o importante. Tenho buscado fazer transformações profundas na minha vida, em função de uma compreensão desse poder. Na questão profissional, procuro dar o meu melhor mesmo, pelo respeito às pessoas que vão ao show. A gente vive num país de muitos artistas e para você conseguir marcar tem de possuir um diferencial, portanto, aceito com carinho essas coisas. Sei, porém, que é o dia a dia que diz o que somos, qual a força que possuímos para vencer as dificuldades, procurar ter mais calma com as coisas. Às vezes a gente não sabe ouvir aquele que não está dizendo o que se deseja ouvir; é difícil. Você corre o risco de estar cercado de pessoas que estão ali mais te babando do que dando uma palavra real da situação. É muito importante ter amigos de verdade, que você sabe que pode chorar com eles.

BV — Para você, esse amadurecimento veio mais cedo, com a experiência de se descobrir como artista ainda muito jovem?
Margareth —
Na verdade, sim. Engraçado, nunca tive a ambição, mas possuía essa coisa de gostar de música, de violão. Foi algo natural, porque o meu avô tocava violão, morava num bairro no qual muita gente fazia música, serenata. Minha mãe me ensinou a cantar o samba de roda, e era tudo bastante festivo; meus tios também, por parte de pai, gostavam de cantar. O meu tio Florisvaldo contava histórias, outros faziam [truques de] mágica. Aos 15 anos a minha mãe presenteou-me com um violão, fiz teatro na escola, e isso foi me aproximando, até que cheguei ao teatro amador, e todos os personagens que eu fazia sempre cantavam. Comecei, então, a cantar na noite, trabalhei com teatro e música até 1995; depois, foi só música. Sempre que o pessoal me pergunta: “Ah, quando começa o carnaval?”. Eu falo: o carnaval para mim faz parte da minha dinâmica profissional, a minha formação é o palco, que tem mais espaço. No trio elétrico você precisa fazer aquele exercício da voz de comando da massa… nele conduzo o público evitando algumas coisas, alguns tipos de música, porque tudo é vibração, é energia. O show que faço qualquer pessoa pode assistir, criança ou velho, não dou lugar para baixaria, canto música simples, que fala de Amor, de Natureza. Gosto de me comunicar com leveza, o ambiente de trabalho da minha banda é muito saudável. Tudo isso a gente começa a cultivar, é maturidade, mas também é querer viver melhor.

BV — Mesmo com o sucesso, não se afastou da Cidade Baixa…
Margareth
— Minha mãe, tios, parentes, o pessoal todo mora por aqui. Tenho a ONG Fábrica Cultural, que está começando, são 4 anos ainda, mas já com movimentos importantes. Sempre quis fazer alguma coisa, porque sentia essa efervescência que a juventude tem — muito jovem, muita cultura, muita história, e pouca oportunidade para o pessoal se expressar.

Diva brasileira
Margareth Menezes lembra que, ainda menina, circulava pelos palcos de teatro da Ribeira. Segundo a cantora, o ato de representar foi também um dos caminhos que a conduziram à música, pois todos os personagens que fazia sempre cantavam. Logo descobriu a grande vocação e, em 1990, a voz forte de contralto impressionou o famoso músico e compositor escocês David Byrne, de quem Maga recebeu o convite para participar de uma turnê mundial do Talking Heads, grupo do qual ele foi líder. Margareth abriu mais de 50 shows da banda pelos Estados Unidos e Europa. Graças à repercussão desse trabalho, o álbum que trazia Elegibô — Um canto de Ifá, lançado no mercado norte-americano, permaneceu 11 semanas na lista de sucessos da revista Billboard, na categoria world music.

Com o nome em evidência no exterior, não demorou até que a música de Maga estourasse nas rádios do Brasil, o que ocorreu em 2002, com o single Dandalunda, canção composta por Carlinhos Brown. Foi então que a cantora se firmou como uma das mais belas vozes femininas da música brasileira.

Alegria e descontração
Durante a visita à Legião da Boa Vontade, a cantora Margareth Menezes foi recebida por meninas e meninos atendidos pelo programa LBV — Criança: Futuro no Presente!.A garotada conduziu a artista em um passeio pela unidade socioeducacional, onde ela pôde conhecer as ações ali desenvolvidas. “Foi muito bacana estar aqui com as crianças. Você vê o envolvimento delas, sua alegria espontânea. A espontaneidade da criança é um sinal do que está recebendo, ela retorna de uma maneira muito verdadeira. Eu vi as crianças felizes, cantando, se expressando, se comunicando. Elas cantaram para mim. Você sente que estão gostando e sendo bem tratadas. Eu vi isso, uma relação de Amor, de cuidado. Gostei muito”, declarou.

Margareth Menezes por ela mesma

Um defeito
Sou um pouco teimosa.

Um ídolo
Tenho admiração por muitos artistas, mas vejo a história do Gilberto Gil como um referencial. Não chega a ser ídolo, não! Ídolo é uma coisa muito forte, mas é um cara por quem tenho grande respeito, admiração.

Um livro:
Tantos livros… Eu vou dizer um escritor, porque acho que me preenche em vários momentos. É o Gabriel García Márquez.

Boa Vontade…
É você ter disposição de fazer as coisas, fazer o Bem sem olhar a quem, Boa Vontade.

Um sonho:
Ver o mundo melhor, principalmente para as crianças do Brasil; a infância ser mais respeitada.

Que exemplo gostaria de deixar?
De uma pessoa que acredita na vida, positividade, um exemplo bom… Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade.

Reprodução revista Boa Vontade, edição nº 228, págs. de 28 a 33.

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