Placa_Fernando Alcoforado.

Placa_Fernando Alcoforado.


FERNANDO ALCOFORADO.

FERNANDO ALCOFORADO.


Honra-me bastante estar neste momento recebendo o título de sócio benemérito da AEPET-BA pelo fato de esta homenagem partir de uma instituição que desde sua fundação há 52 anos vem se destacando na defesa da Petrobrás, maior patrimônio econômico da nação brasileira, do monopólio estatal do petróleo e do próprio Brasil. Honra-me também de receber este título da AEPET pelo fato de ser uma instituição de engenheiros, principais artífices do desenvolvimento da indústria de petróleo e gás do Brasil e da transformação da Petrobrás em uma das maiores empresas petrolíferas do mundo. Mesmo reconhecendo a importância de todos os trabalhadores da Petrobrás não se pode deixar de destacar o papel desempenhado pelos seus profissionais de engenharia (engenheiros e geólogos) no avanço da pesquisa, da exploração, da produção, do refino e da distribuição de petróleo no Brasil. A Petrobrás atingiu a dimensão atual graças, não apenas ao empenho dos trabalhadores da Petrobrás em geral, mas, sobretudo, pela competência e dedicação de seus profissionais de engenharia.

Desde sua fundação há 52 anos, a AEPET se engajou em inúmeras batalhas em defesa da Petrobrás, do monopólio estatal do petróleo e do Brasil. A primeira grande batalha assumida pela AEPET diz respeito à luta contra os contratos de risco impostos pelo governo Geisel em 1974 que foram a primeira tentativa voltada para a quebra do monopólio estatal de petróleo no Brasil. O monopólio estatal do petróleo que era exercido pela Petrobrás sofreu o primeiro golpe na década de 1970 após as duas crises dos preços altos do petróleo no mercado mundial aliadas à terrível sangria de divisas pelo Brasil com o grande volume do petróleo importado. Em função dessas crises, o governo Ernesto Geisel abriu o território brasileiro para a exploração privada e estrangeira do petróleo autorizando e orientando a Petrobras a estabelecer contratos de risco com empresas de todo o mundo.

Durante dez anos, foram instituídos mais de 240 contratos de risco em terra e no mar sendo oferecida às multinacionais e às empresas nacionais mais de 80% das bacias sedimentares brasileiras, à exceção da Bacia de Campos. O resultado dos contratos de risco foi pífio porque quem efetivamente avançou no incremento da produção de petróleo no Brasil foi a Petrobrás que passou ao primeiro lugar do mundo em tecnologia para produzir óleo em águas profundas da época projetando e iniciando a escalada de descobertas e produção de petróleo da Bacia de Campos e, mais tarde, na camada pré-sal. A segunda grande batalha assumida pela AEPET diz respeito à luta pela inserção no texto da Constituição de 1988 do monopólio estatal de petróleo. A AEPET foi uma grande batalhadora pela inserção do artigo 177 na Constituição de 1988 através do qual seria assegurado o monopólio estatal do petróleo e não seriam mais permitidos contratos de risco.

A terceira grande batalha assumida pela AEPET diz respeito à luta contra a tentativa de privatização da Petrobrás durante o governo FHC no auge da introdução do modelo neoliberal no Brasil e, mais tarde, contra a Lei 9478/97 que representou nova tentativa de quebra do monopólio estatal do petróleo com a adoção de um processo de formação de parcerias da Petrobrás com empresas interessadas em participar do processo de abertura do setor petróleo. Esta batalha continua ainda no momento atual porque os governos Lula e Dilma Roussef deram continuidade à política neoliberal e antinacional do governo FHC de quebra do monopólio estatal de petróleo. A redução significativa da área de atividade exploratória da Petrobras seria compensada com a entrada de novas empresas privadas, nacionais e estrangeiras, mediante processos licitatórios que a Agencia Nacional de Petróleo (ANP), órgão regulador criado pela nova lei, promoveria a partir de 1998.

Com o leilão de 21 de outubro próximo passado do campo de Libra da camada pré-sal, que é a área com maior potencial petrolífero de produção no mundo, consumou-se mais um crime contra a Petrobrás e de lesa pátria contra o Brasil. No artigo Leiloar o maior campo já descoberto do mundo é inaceitável, publicado no Le Monde Diplomatique de 09/10/2013, Fernando Siqueira, vice presidente da AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobrás, afirmou que “enquanto no resto do mundo os países exportadores de petróleo ficam com 80% do óleo-lucro – uma média de 72% do óleo produzido -, o governo brasileiro fixou para o leilão de Libra o pagamento mínimo de 41,65% à União. Em um campo sem riscos, de óleo de excelente qualidade, não seria razoável menos de 80%”. Neste artigo, Fernando Siqueira afirma que “com as bênçãos do governo e do Poder Legislativo, um crime contra a soberania nacional está em andamento e já tem data marcada. O campo de Libra, situado na província brasileira do pré-sal, na Bacia de Santos, que é a maior descoberta de petróleo convencional do século XXI, irá a leilão no dia 21 de outubro, na primeira rodada de licitações da camada do pré-sal”.

O argumento apresentado pelos defensores dos contratos de risco durante o governo Geisel e da quebra do monopólio estatal do petróleo durante os governos FHC, Lula e Dilma Roussef é o de que a Petrobrás nem o governo brasileiro disporiam de recursos suficientes para investir no aumento da produção de petróleo no Brasil. Trata-se, entretanto, de grande falácia esta afirmativa. No momento atual, a Petrobrás não dispõe dos recursos para investimento na produção de petróleo porque o governo federal, no seu esforço de combater a inflação que está de volta no Brasil, impede que a Petrobrás gere recursos para investimentos criando empecilhos à adoção de uma política racional de preços de derivados de petróleo no País. Por outro lado, o governo federal não dispõe de recursos para investimento para fazer frente às necessidades mais elementares do povo brasileiro, nem muito menos para financiar a exploração do petróleo do pré-sal porque quase metade do orçamento da União é destinado ao pagamento do serviço da dívida pública interna (juros + amortização) cujo principal beneficiário é o sistema financeiro nacional e internacional.

Toda esta situação coloca na ordem do dia a necessidade de as forças vivas da nação, inclusive a AEPET, de empreender a luta contra a política em curso de enfraquecimento da Petrobrás e contra a política econômica neoliberal e antinacional do governo federal. A batalha contra o desmantelamento da Petrobrás impõe a necessidade de luta pela revogação da Lei 9478/97 que atenta contra a Constituição de 1988 que prevê o monopólio estatal do petróleo no Brasil. Esta necessidade é absolutamente imperiosa, sobretudo após a descoberta pela Petrobrás das imensas reservas de petróleo na camada pré-sal brasileira. Esta luta deve ser complementada com a compra pelo governo brasileiro de parte das ações da empresa em mãos de estrangeiros (52%) negociadas nas bolsas de valores do exterior e do Brasil a fim de que a Petrobrás seja de propriedade exclusiva do governo brasileiro e de seus cidadãos.

A principal batalha a ser empreendida pela AEPET e pelas forças vivas da nação diz respeito à mudança da política econômica atual do governo federal de subordinação ao sistema financeiro nacional e internacional. É inadmissível que o governo brasileiro destine 43,98% do Orçamento da República de 2013 para o pagamento de juros e amortização da dívida pública interna quando existe a necessidade imperiosa de recursos públicos da ordem de 2 trilhões de reais para investir na precaríssima infraestrutura econômica (energia, transporte e comunicações) e social (educação, saúde, saneamento básico e habitação). O lamentável é que o governo federal destine 43,98 % do orçamento para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública (R$ 985 bilhões) superando amplamente os recursos destinados à educação (3,34%), saúde (4,17%), defesa nacional (1,72%) e segurança pública (0,19%), entre outros itens. Os estados e municípios, quase todos falidos, recebem de transferência da União (governo federal) apenas 10,21%.

Em outras palavras, a parte do leão no orçamento da República é destinada ao pagamento de juros e amortização da dívida pública interna. Esta é razão pela qual o governo brasileiro em todos os seus níveis (federal, estadual e municipal) não dispõe de recursos para suprir suas necessidades mais elementares. O fato de que quase metade do orçamento da União ser destinado ao pagamento de juros e amortizações das dívidas interna e externa com tendência de crescer nos próximos anos resultará na incapacidade cada vez maior do governo brasileiro em todos os seus níveis (federal, estadual e municipal) de investir na solução dos problemas de infraestrutura econômica e social e de promover o desenvolvimento do País. Esta situação fará com que o governo brasileiro seja obrigado a atrair capitais externos aumentando ainda mais sua dependência em relação ao exterior. Em outras palavras, além de ter como consequência a desnacionalização da economia brasileira com a adoção desta medida, afetará profundamente o desenvolvimento do Brasil que não contará com os recursos necessários a seu crescimento econômico e à superação de suas profundas desigualdades sociais e regionais.

Se não houver uma reversão deste quadro, será acentuado o desequilíbrio entre a demanda e a disponibilidade de recursos para atender as necessidades do País em infraestrutura econômica e social em detrimento da população e do setor produtivo nacional, inclusive os investimentos da Petrobrás. Para o governo brasileiro dispor de recursos para investimento em infraestrutura econômica tem de adotar necessariamente a política de alongar o prazo de pagamento dos juros e da amortização da dívida pública renegociando com seus credores, isto é, com os bancos nacionais e estrangeiros (credores de 55% da dívida pública), fundos de investimento (credores de 21% da dívida pública), fundos de pensão (credores de 16% da dívida pública) e empresas não financeiras (credores de 8% da dívida pública).

Além de dispor de recursos para investimento na precaríssima infraestrutura econômica e social do Brasil, a política de alongar o prazo de pagamento dos juros e da amortização da dívida pública renegociando com seus credores teria também por objetivo reverter a tendência de explosão da dívida pública interna do Brasil que alcançou R$ 62 bilhões durante o governo FHC, R$ 687 bilhões durante o governo Lula e deve alcançar R$ 2,24 trilhões em 2013 no governo Dilma Roussef. Mantida esta tendência, serão cada vez menores os recursos disponíveis pelo governo (federal, estaduais e municipais) para investir na infraestrutura econômica e social. Os principais fatores responsáveis pela elevação da dívida pública interna do Brasil têm sido as altas taxas de juros Selic adotadas pelo Banco Central do governo federal, a quinta maior em toda a economia mundial, e o déficit público resultante do excessivo gasto de custeio do setor público no Brasil. É imperiosa a redução da taxa Selic e do déficit público para que o governo brasileiro passe a dispor de recursos para investimento.

Outra grande batalha a ser empreendida pela AEPET e pelas forças vivas da nação diz respeito à luta contra o sucateamento da Engenharia brasileira porque sem a existência de engenheiros em quantidade e bem qualificados, o setor produtivo nacional será grandemente afetado, inclusive o setor de petróleo e gás. A Engenharia brasileira está sendo sucateada devido a três fatores: o primeiro deles diz respeito à precariedade do sistema de ensino no Brasil que impacta fortemente e negativamente na formação do engenheiro pela Universidade brasileira; o segundo concerne à insuficiência de engenheiros para atender a demanda nacional; e, o terceiro resulta da execução de obras de baixa qualidade contratadas pelo governo por conta de projetos mal elaborados e falta de planejamento.

Um fato impressionante é que a cada 150 mil estudantes que ingressam no curso de engenharia em nosso país, apenas 48 mil se formam, ou seja, somente 32% do total. Esta situação resulta da péssima qualidade do ensino médio, sobretudo em matemática e ciências porquanto os alunos não têm capacidade de acompanhar os cursos. Uma das causas da insuficiência de engenheiros no Brasil resulta, entre outros fatores, da desistência ou evasão dos alunos durante o curso que é muito grande chegando a 60%. A evasão acontece no primeiro e no segundo ano principalmente devido, sobretudo à formação deficiente em matemática e física do estudante no ensino médio que, em muitos casos, tem dificuldade para acompanhar o curso. É preciso atentar para o fato de que esta situação já está levando à invasão de profissionais e empresas de engenharia do exterior no mercado brasileiro contribuindo ainda mais para a desnacionalização da economia brasileira.

Além do número de engenheiros no Brasil ser insuficiente devido à evasão dos alunos, outra causa da carência de engenheiros reside no fato de muitos deles não trabalharem na profissão. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2008, para cada dois graduados em engenharia trabalhando com carteira assinada em ocupações típicas de sua formação, há outros cinco em uma das seguintes situações: exercendo outras ocupações, desempregados, exercendo atividades como profissionais não assalariados, trabalhando em outros países ou simplesmente fora do mercado de trabalho. Segundo dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), existem 750 mil engenheiros no país. De acordo com estudo do Conselho Nacional da Indústria (CNI), para dar conta da demanda por engenheiros, seria necessário formar 60 mil engenheiros por ano no Brasil. Mas o que acontece no Brasil é que apenas 48 mil obtêm este diploma a cada ano. Enquanto isto o número de diplomados anualmente na China (400 mil/ano), Índia (250 mil/ano), Rússia (100 mil/ano) e Coréia do Sul (80 mil/ano) supera amplamente o do Brasil (48 mil/ano).

 

Além da carência de engenheiros, o Brasil forma mais de 77% de engenheiros em apenas quatro especialidades: técnico industrial (339.822, ou 33,87% do total), engenheiro civil (201.290, 20,06%), engenheiro eletricista (122.066, 12,16%) e engenheiro mecânico e metalurgia (109.788, 10,94%). Com a concentração em poucas especialidades, o mercado fica ainda mais carente em outros nichos. O IPEA diagnosticou que o Brasil precisa, especialmente, de engenheiros de minas, de petróleo e gás, navais e de computação. O IPEA estima que em 2015, caso o crescimento do PIB fique em 5% ao ano, serão necessários 1,155 milhões de engenheiros. E, com crescimento de 7% ao ano, serão necessários 1,462 milhão de engenheiros. A projeção para 2022 aponta a necessidade de 1,565 milhões de engenheiros em ocupações típicas. De acordo com o IPEA, o setor de petróleo e gás (incluindo-se extração e refino) continuará expandindo sua demanda por esses profissionais a taxas entre 13% e 19% ao ano.

 

A situação atual do Brasil é lamentável porque está levando ao sucateamento da engenharia brasileira e sua consequente incapacidade de colaborar com a execução das obras necessárias ao desenvolvimento do País, sobretudo no campo da infraestrutura. É fundamental observar que a engenharia consultiva é a base para o crescimento do país porque sem projetos bem feitos o Brasil não tem como crescer. Recentemente, ouvimos na televisão entrevista com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior que, questionada sobre o fato de se executar obras sem projetos bem elaborados, afirmou que o importante era tocar as obras mesmo sem ou com projetos mal feitos. Cabe observar que bons projetos e serviços de engenharia consultiva dependem fundamentalmente de equipes bem estruturadas, formadas por profissionais experientes no desenvolvimento de trabalhos nas mais diversas áreas abrangidas pelos setores de transportes, energia, telecomunicações, edificações, saneamento, entre várias outras.

A fragilidade enfrentada pela engenharia brasileira é um gargalo que as empresas de engenharia consultiva no Brasil não têm como superar nas condições atuais. Esta situação contribui para a falta de projetos básicos e executivos competentemente elaborados, fato este que atua como um obstáculo para a infraestrutura do país. Para se desenvolver, o Brasil não pode abandonar a sua Engenharia à sua própria sorte e, com o melhor uso desta, deve alavancar seu progresso econômico e social e evitar a eterna dependência tecnológica em relação ao exterior. O Brasil já demonstrou ser capaz de se desenvolver em diferentes setores da Engenharia. Em alguns setores, inclusive, o Brasil é referência mundial, como é o caso dos programas ligados ao Proálcool, à exploração de petróleo em águas profundas, construções de grandes hidroelétricas, como Itaipu, a maior em operação até bem pouco tempo, projetada, construída e montada por empresas brasileiras.

Finalmente, outra grande batalha a ser assumida pela AEPET e pelas forças vivas da nação diz respeito à luta pelo desenvolvimento sustentável no Brasil e no mundo. A perspectiva de catastrófica mudança climática planetária evidencia a necessidade de que o paradigma que tem norteado o desenvolvimento da sociedade humana desde a 1ª. Revolução Industrial seja profundamente modificado. Para adotar o desenvolvimento sustentável no Brasil, torna-se um imperativo reduzir as emissões globais de carbono com a promoção de mudanças na atual matriz energética brasileira baseada hoje em cerca de 55% de fontes não renováveis de energia, por outro estruturado com base nos recursos energéticos renováveis (hidroeletricidade, biomassa e energia solar e eólica) para evitar ou minimizar o aquecimento global e, consequentemente, a ocorrência de mudanças catastróficas no clima da Terra. Nessas circunstâncias, o petróleo deveria ser utilizado fundamentalmente como matéria-prima industrial. Esta situação coloca na ordem do dia a necessidade de a Petrobrás se transformar em uma empresa energética voltada não apenas à produção de petróleo e gás natural, mas também de energia renovável (solar, eólica e biomassa) contribuindo, desta forma, para a redução das emissões globais de carbono e, consequentemente, do efeito estufa.

Minhas últimas palavras são dirigidas para os Diretores e Conselheiros da AEPET para agradecer-lhes pela honra que me concederam de integrar os quadros desta notável instituição na condição de sócio benemérito e agradecer a todos os que aqui se encontram que pacientemente ouviram nosso pronunciamento.