A formação do Estado é, sem dúvida, uma das mais importantes realizações humanas. Não me refiro aqui à formação somente de um tipo de estrutura de poder político, pois entendo que religião, poder político, família e outras instituições do gênero sempre existiram, mesmo nas sociedades mais rudimentares, ainda que sob as mais variadas formas.

Refiro-me ao Estado em seu significado mais clássico: como nação politicamente organizada, estruturada sobre um território, formando uma unidade independente e soberana.

Esse Estado com E maiúsculo não se confunde com os estados membros da Federação tais como São Paulo, Ceará ou Bahia, porque estes não formam unidades dotadas de independência, sendo partes submetidas a um todo maior; enquanto aquele encarna o que no Brasil chamamos popularmente, e de forma um tanto inadequada, de país.

Pois bem, foi sob a égide do Estado que a humanidade pôde realizar seus mais significativos progressos. Foi ele quem propiciou ao Egito, três mil anos antes de Cristo, estruturar uma civilização de base agrícola às margens do rio Nilo, organizando e dirigindo o trabalho de milhões de pessoas para que houvesse o aproveitamento do das margens do Nilo e, após, uma fartura de alimentos sem precedentes.

Foi nas cidades estado gregas que floresceu a Filosofia, e muitas ciências, amparadas no ócio produtivo dos abastados, que podiam dedicar-se à produção intelectual, artística e científica enquanto a massa do povo trabalhava sob severa dominação.

Em Roma o Estado se estrutura, cresce e se organiza como nunca, a ponto de até hoje copiarmos suas instituições públicas, embora adaptando-as, tais como o Senado, os tribunais, o Direito, a estrutura militar, a realização de grandes obras públicas e a política do pão e circo (panem et ciercensis), até hoje tão largamente utilizada.

Somente sob a força do Estado romano o comércio, a cultura helenística e a circulação de pessoas e ideias pôde se desenvolver do norte da África (Cartago, Alexandria) à capital do Império; da oriental Palestina às províncias mais ocidentais como a Gália e a Ibéria (atuais França, Espanha e Portugal).

Quem duvida do quanto o Estado se encontra associado ao desenvolvimento humano pode constatar o desastre de sua ausência durante os Tempos Medievais, período em que a Civilização Ocidental tateou às escuras entre guerras locais, pestes e uma profunda ignorância, quebrada somente pela sabedoria dos clérigos que, no entanto, ficava restrita aos mosteiros, sem chegar sequer aos reis na alta Idade Média, quando muitos deles eram completamente analfabetos.

Somente com o surgimento dos Estados Nacionais modernos, ao fim da Idade Média, o Ocidente avançará, com as navegações lusitanas; com o Humanismo, o Renascimento e suas conquistas intelectuais e artísticas; com a pacificação das estradas que permitiu a volta do comércio e da importância da vida urbana.

É dentro do Estado e questionando as estruturas do próprio Estado que teremos a Revolução Francesa pondo fim ao poder absoluto dos reis e criando a noção de cidadania, sem a qual, na atualidade, nenhum Estado pode afirmar-se como tal.

Por fim, foi em instituições como escolas e universidades, presentes nos Estado, que se consolidou o progresso científico, humano e tecnológico de que hoje dispomos.

Sei perfeitamente que o Estado também protagonizou – e ainda o faz – tanto ditaduras horrorosamente sangrentas como guerras terríveis, das quais o melhor exemplo foi a recente Segunda Guerra Mundial, que ceifou quase 80 milhões de vidas. Mas se os Estados criaram esta Guerra, foram também eles os únicos capazes de contê-la, seguindo-se após 1945 um período de relativa paz e de avanço dos regimes democráticos, assegurando, por meio da estabilidade política, desenvolvimento econômico e bem estar social.

É por tudo isso que defendo tão ardorosamente ao Estado, e que ele deve impor-se sobre a barbárie. Como soldado, lia escrito em grandes letras vermelhas, na parede do Batalhão onde servi, que suor poupa sangue. Como pessoa afirmo, hoje, que sem Estado não há desenvolvimento humano.

Julio Cezar de Oliveira Gomes

Graduado em História e em Direito, ambos pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz