A FERIDA DO PAI AUSENTE

Um dia desses eu peguei um Uber e comecei a conversar com o motorista. Conversa vai. Conversa vem. Eu falei da minha relação como pai com as minhas filhas. Falei do quanto erámos abertos uns com outros. Falei que sempre tive em mente o fato de que não queria torná-las ansiosas, por isso o diálogo, entre nós, era fundamental. Também falei que cresci sem pai (meu pai morrera ferrado de arraia quando eu tinha um ano de idade), longe de minha mãe, até os 18 anos. Portanto, teria tudo para não ter sido um bom pai, ou exercer a função de pai para quem precisa, quando necessário.

Ele começou a falar sobre o fato de ter pai, mas não sentir qualquer afeto ou carinho por ele, embora o respeito e o atendimento às necessidades deste sempre estiveram presentes. Ele disse que, sempre que precisou de alguma coisa de seu pai, ele usava sua mãe como meio de chegar até ele. Embora seu pai sempre o tratasse muito bem na área material, nunca se sentiu amado por ele e, quando conseguia dar-lhe um abraço era somente em datas especiais como aniversário e ano novo, mas apenas por pura formalidade, pois não sentia nada em fazer isso – era apenas por obrigação.

Chegando em casa ao ler as mensagens de meu ZAP, li o pedido de um amigo meu – o Paulo, de Minas Gerais , que pediu – me para escrever um texto com o titulo em epígrafe. É o que estou fazendo agora.

É comum alguns livros de psicologia e algumas correntes psicológicas mencionarem que toda criança, para a formação de sua personalidade, precisa de pai e mãe para que possa se transformar em uma criança saudável emocionalmente. Penso diferente, ainda que a presença destes seja de extrema importância, mais do que pai e mãe o ser humano precisa de quem o aceite, aprove e ame.

Aceitar, significa ter a consciência da presença do outro tanto física como afetiva. A presença afetiva se dá pela demonstração do afeto, do carinho – um elo muito importante para criar na pessoa a segurança emocional e o sentido de pertença, de que alguém gosta de mim. O toque em forma de demonstração de afeto é considerado a vitamina A que todo ser humano precisa. Na ausência desta a pessoa pode sofrer de inanição afetiva. É do que muitos adultos sofrem hoje – da inanição afetiva.

Aprovação, a aprovação ocorre pelo reconhecimento das habilidades e competências que uma criança demonstra quer seja através de trabalhos escolares, quer seja através de qualquer atividade que revele sua inteligência, sua capacidade e sua criatividade. Nessa área o elogio é a mola propulsora para que a criança aprenda o sentido de ser capaz, enquanto a critica só a torna uma ser humano incapaz de andar com suas próprias pernas, deixando que, na idade adulta, os outros decidam por elas.

Amar, significa atender a criança em necessiades legitimas, mostrando o quando ela é capaz de ser cuidada de forma especial e singular. Sentir-se cuidada cria na criança o sentimento de que “alguém se importa comigo de verdade”.

Portanto, aceitar, aprovar e amar alguém não depende só de pai e mãe, mas de quem se habilita a exercer essa função, independentemente do grau de parentesco. É óbivio que num primeiro momento é a responsabilidade dos pais fazer isso, porque são as primeiras pessoas com quem a criança se relaciona ao nascer mas, infelizmente, nem sempre isso é possível, por fatores diversos.

Se realmente pai e mãe são necessários para a que uma pessoa cresça de forma saudável emocionalmente, o que podemos dizer de muitas crianças que cresceram sem pai, sem mãe e, em especial, àquelas de viveram ou vivem em orfanatos ou em casas de apoio ao menor?

Muitas delas, inclusive eu, cresceram longe dos seus, num ambiente agressivo e deletério, muitas vezes. Mesmo assim, apesar de tudo que passaram, se transformaram em excelentes pais e mães. Claro, que muitos também, por vários fatores, não seguiram o mesmo caminho. Mas, aí, é outra questão.

Por falar em pais, é importante ressaltar que a ausência não se dá somente no aspecto físico da presença, uma vez que se pode ter um pai presente fisicamente, mas ausente afetivamente.

Existem pais que, ainda presentes fisicamente, vivem a léguas de distância afetivamente de seus filhos, é como se fosse um estranho, porque não demonstra qualquer afeto a eles, fazendo com que seus filhos também o veja como estranho, por isso que, invés de se aproximarem dele, se afastam. Tornando-se díficil até dar-lhe um abraço.

A presença fisica de um pai, nem sempre é sinônimo de ter pai, porque nesse contexto, você sabe que tem pai, mas não o sente como pai, uma vez não existe vínculo afetivo que possa unir ele a você. Daí não muito raro encontrarmos filhos que vêem em tios, tias, avós, o pai que nunca tiveram.

A ferida do pai ausente, para mim, está de um lado relacionada a não se ter um pai (o meu caso), ou a um pai que está longe por fatores diversos, ou ainda a um pai que, ainda presente, como já escrevi, se encontra ausente afetivamente. Daí surge em algumas pessoas o trauma ( ferida) de não se ver amado ou querido por um pai, ou ainda não ter tido pai para poder se sentir filho. Mas uma coisa temos que entender, que muitas pessoas de diversas formas e maneiras, passaram por nossas vidas exercendo essa função de pai nos aceitando, aprovando e amando. E com isso podemos nos sentir filhos, ainda que de pais adotivos e não orfãos de pais vivos.

Lidar com essa ferida é deixar de ser refém de uma expectativa que poderia ser realizada ou não, poderia ser proveitosa ou não.

Só aguisa de exemplo, convivo com um menino que conheci quando ele tinha 8 anos. Hoje está com 12 anos. O chamo de meu neto escolhido. Filho de pais solteiros, tem um pai ausente fisica e afetivamente falando. Mui raramente está com seu pai. Ele tem no seu tio, de 24 anos aquele que o aceita, aprova e ama – seu verdadeiro pai.

Em mim, vê um outro pai, pois o aceito, aprovo e amo. Quando ele vem para a minha casa, preparo o quarto em que ele vai dormir. Sei que ele gosta de açai, portanto, vou comprar barras para fazer sempre que ele pede. Gosta de tapioca com queijo, também deixo tudo pronto para ele.

Quando ele vem para minha casa, criamos o hábito de ir à feira fazer algumas compras, mas de quebra comer pastel com caldo de cana. Ele adora fazer isso comigo. Costumamos ir a pé até a feira, que não fica longe de casa. Mesmo tendo doze anos ele segura na minha mão e vamos caminhando. Me emociono quando ele faz isso, seja indo a feira ou quando vamos ao shopping.

Vez outra quando estou na cozinha preparando o almoço ele sobe em minhas costas para fazer cavalinho. Brincadeira tipica entre pai e filho.

Quando o conheci era muito arredil. Hoje é muito alegre, brincalhão, está sempre perto de mim ou do tio. Não desgruda, principalmente, porque gosta de estar perto da gente.

Enquanto escrevo, ele está deitado no piso da sala, do meu lado, brincando com o celular.

Quero que ele cresça com saúde emocional, por isso procuro exercer a função de pai para ele, para que ele sinta o quanto é amado por mim; o quanto o acho inteligente e o quanto me importo com ele de verdade e de fato.

Finalmente, a ferida do pai ausente, só se mantém viva em nós quando ficamos refém de expectativas que podem ou não ser realizadas, ou enquanto persistimos em manter a criança que se queixa num corpo de adulto.

Aracaju, 27 de abril de 2018

Edivaldo Pinheiro Negrão – Psicólogo

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