Pesquisa aponta origens do lixo marinho em Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Ilha de Itaparica
Um personagem essencial para a reviravolta da trama de O Homem que Ri, do escritor francês Victor Hugo, Barkilphedro é um obscuro e astuto burocrata que ascende na hierarquia da Inglaterra e se torna responsável pelo recebimento, guarda e destinação dos itens oriundos de naufrágios, dentro da estrutura do Almirantado. Sem estragar a leitura, pode-se adiantar que o mar guardou e entregou a ele um segredo fundamental para o desenvolvimento da história.
O oceano recebe e devolve outros itens menos secretos, porém de alta importância pelos efeitos poluentes que geram no ambiente, afetando a cadeia alimentar ao ponto de prejudicar espécies consumidas pelo ser humano. Um estudo realizado e publicado na revista Regional Studies in Marine Science informa sobre os caminhos e as composições do lixo flutuante encontrado em praias da Ilha de Itaparica, perto de Salvador, de Porto Seguro e de Santa Cruz Cabrália, no extremo sul da Bahia. O artigo Spatial and temporal patterns of floating litter in shallow habitats: Insights from high-tourism tropical areas in Northeastern Brazil é assinado por Stefânia Pereira Santos, Fábio Lameiro Rodrigues, Alexandre Clistenes de Alcântara Santos e Leonardo Evangelista Moraes (CFCAM/UFSB).
A pesquisa teve como objetivos identificar as origens, as rotas de dispersão e a composição do lixo flutuante em dois pontos do litoral baiano: um deles na área de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália e o outro na Ilha de Itaparica. Outras informações buscadas com o estudo foram identificar variações na composição e quantidade do lixo flutuante, examinar como as características costeiras nas duas áreas interferem na distribuição do lixo marinho, Para isso, a equipe realizou saídas a campo para coletar dados mês a mês, buscando mapear, classificar e quantificar os tipos de resíduos encontrados.
Dentre os resultados, os cientistas identificaram que na área de Itaparica, ao todo, foram coletados e catalogados 4123 itens, e na área de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália o total chegou a 1021 itens, com predomínio de material plástico, que somou 90% do lixo encontrado. Vidro e metais foram os materiais menos frequentes. Os recifes de corais funcionam como barreiras que impedem o transporte do lixo flutuante pelas correntes costeiras.Quanto às origens do lixo, as atividades domésticas e turísticas são as maiores fontes detectadas nas áreas focalizadas pelo estudo.
de integridade do material, esta não é uma tarefa simples”, enumera o professor Leonardo.
Outro ponto destacado é a gama de usos que o plástico atende atualmente, gerando complicações adicionais no momento de classificar o lixo de acordo com o seu uso pelo ser humano: “Há um esforço mundial para buscar esta padronização e já temos avanços importantes, mas ainda há desafios a serem superados, como os mencionados acima”.
O que se pode fazer
O principal ponto sobre o lixo flutuante no mar é que a maior parte dele vem de fontes terrestres. “Eu costumo usar a expressão que ‘o resultado do lixo no mar é consequência de nossas ações em terra’. No caso do Brasil, especialmente em função da gestão inadequada dos resíduos sólidos em municípios do litoral, mas não só. Afinal de contas, o lixo despejado em rios, a partir da gestão inadequada de resíduos em municípios do interior, também pode alcançar o mar. Isto já está largamente demonstrado na literatura científica”, pondera o professor Leonardo.
O artigo indica que uma necessidade premente é colocar em prática a Política Nacional de Resíduos Sólidos (LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010), que propõe desde ações de educação ambiental, logística reversa e reciclagem até o fechamento de pontos ilegais de disposição de lixo. Essa questão ainda requer muito trabalho em Porto Seguro, uma vez que, conforme o professor Leonardo, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália não dispõem de uma associação de catadores e nem programas de reciclagem. Com isso, todo o lixo coletado no município vai para o aterro, o que é um tremendo equívoco, pois itens recicláveis não deveriam ser “perdidos” para um aterro.
“Também não há uma logística adequada para dar vazão aos materiais recicláveis. Temos o apoio em algumas iniciativas da Associação Gota do Óleo de Eunápolis, que vem desempenhado um papel fundamental neste processo, mas o volume de lixo é muito grande para esta Associação atuar sozinha, o que demonstra a importância de mais associações. Além disso, a AGO não consegue coletar todos os materiais recicláveis, a exemplo do isopor”, detalha o pesquisador.
O processo de coleta e separação dos resíduos desde os espaços públicos é uma necessidade. Em Porto Seguro, o número de lixeiras é insuficiente e sem indicação de separação dos tipos de lixo, que é coletado de forma muito precária. Além da infraestrutura demandar adequação, o professor Leonardo avalia que o comportamento de moradores e visitantes também deixa a desejar: “Por exemplo, não é incomum ver as pessoas jogando lixo nas ruas. Mesmo com lixeiras perto, as pessoas não colaboram. Portanto, é preciso também investir em educação ambiental e também em fiscalização. Por exemplo, Porto Seguro tem uma lei que proíbe o uso de canudos. Mas sem fiscalização e punição do descarte inadequado deste material, terminamos encontrando os canudos em grande quantidade nas praias.”
A educação aliada à melhoria da estrutura urbana para coleta e separação dos resíduos é a combinação indicada para intervir nesse problema, aponta o cientista. O consumo deve ser discutido com inclusão do viés ambiental e a lógica da Política dos 5 Rs (Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar) na previsão de medidas a adotar: “É preciso insistir no trabalho de conscientização que, inclusive, leve as pessoas a refletirem sobre o seu ato de consumo. Afinal de contas, muito material é consumido sem uma reflexão sobre a real necessidade de uso deste material. Por exemplo, será que precisamos de uma colher de plástico para tomar sorvete, sendo que uma paleta de madeira serve ao mesmo propósito? E ainda para ficar no sorvete, qual a razão de usar um copo de papel misturado com plástico, se é muito mais gostoso comer a casquinha após tomar o sorvete?”, exemplifica o professor Leonardo.