Isabel Vasconcellos em: Página Virada
Tenho reparado que, nas últimas semanas, nas muitas mídias que frequento, desde a Internet até os canais de notícias da TV por assinatura, um súbito ressurgimento do interesse pelas velhas histórias da ditadura militar brasileira.
Talvez esteja enganada, mas penso que isso se deva ao fato de a nossa atual Presidente da República ter sido uma das vítimas da tortura e da barbárie do antigo regime.
No Brasil daquela época, é verdade, existia um grupo de privilegiados que nós, simpatizantes da esquerda e/ou militantes da oposição, costumavamos chamar de “os contentes”. Eram pessoas que, felizes com a sua condição social particular, não percebiam ou fingiam não perceber o terror absoluto em que viviam aqueles que ousavam falar, agir ou simplesmente mesmo pensar contra a ditadura brasileira.
Do golpe de 1 de abril de 1964 até a anistia em 1979, qualquer cidadão deste país que se posicionasse, ainda quem no segredo do seu travesseiro, contra o regime estava correndo perigo de vida e colocando todas as pessoas de suas relações em igual perigo. Esta é a verdade e ponto. Inclusive, como bem mostrou o filme “Pra Frente Brasil”, um inofensivo encontro casual com um esquerdista num vôo doméstico poderia resultar em tortura e morte para um desavisado que nada tinha de fato a ver com isso.
No entanto, nós estamos em 2011 e, com todo respeito à luta e ao sofrimento da nossa presidente, essas histórias estão ficando rançosas, malcheirosas, chatas, neuróticas. Anistia significa perdão e esquecimento. E aconteceu em 1979, há mais de 30 anos… Gente!
Os generais e paramilitares responsáveis pelo terror que o cidadão comum viveu no Brasil nos tais dos “anos de chumbo”, aqueles que ainda não morreram, estão morrendo, e esperemos que, como se dizia naquele tempo, com a boca cheia de formiga.
Todos os povos injustiçados, massacrados, como os negros, os índios, os judeus (e os brasileiros que foram jovens na ditadura) precisam sempre contar a sua história para que as novas gerações repudiem qualquer tentativa de repressão à liberdade, de genocídio, de tortura e de outras práticas aviltantes (e completamente neuróticas, do tipo Freud Explica) que porventura poderosos venham a estabelecer com qualquer desculpa esfarrapada e camuflada de boas intenções.
É claro que é preciso contar as histórias.
Mas, minha gente, é melhor se conter e não exagerar na puxação de saco porque, assim como eu e outros sobreviventes dos anos 1960, para a nossa presidente, essas histórias horrendas já são “página virada do meu folhetim”.
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Isabel.
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