Curioso como não se menciona na grande mídia o fato do FBI ter se envolvido tão profundamente no escândalo generalizado que norteia as negociações futebolísticas no mundo, segundo eles, desde 1991. A muitos parecerá incrível a afirmação que o FBI não sabe nada do futebol antes de 1991, mas não é tão inverossímil assim.

Segundo a Procuradora Geral dos EUA, Loretta Lynch, o objetivo do FBI é acabar com a “corrupção endêmica” que existe no esporte desde 1991. Segundo ela também, o FBI não descansará até achar todos os culpados por essa tragédia histórica. Causalmente, tudo isso, quando se inicia a transmissão de jogos de futebol do campeonato norte-americano de futebol, a MLS (Major League Soccer), em pleno Brasil, ainda visto como o país do futebol. Casualmente também, logo após a MLS haver ganhado força no mercado norte-americano e mundial, importando jogadores famosos e lotando estádios nos EUA, onde vivia durante a copa de 1994 e me deparei com o fato de 80% das pessoas sequer saberem que havia uma copa do mundo em andamento.

A falcatrua reinante no futebol, na realidade desde 1930, jamais foi caso de polícia nos EUA, nunca sequer foi comentada. Até o ano 2000, as poucas redes de televisão que transmitiam partidas de futebol eram destinadas ao público hispânico e não raro transmitiam apenas jogos do campeonato mexicano. Lá aprendi o que eram Tigres, Cruz Azul, etc. Quando recebia amigos em casa para um churrasco (barbeque), era nítida a diferença entre o que se assistia, a depender da audiência. Se os amigos eram latino-americanos, era dia de futebol; em caso de visitas norte-americanas, alternávamos entre NBA e NFL – baseball eu não permitia.

Agora, num passe de mágica, após vender direitos televisivos para a capital futebolística do mundo (porque, apesar do fatídico7x1, ainda o somos), o senado americano, através de 13 de seus membros, envia um pedido formal à FIFA para impedir a realização de uma copa do mundo na Rússia em 2018. Pedido negado, FBI em ação. Tudo mera coincidência. O senador norte-americano Bob Menendez expressou “profunda preocupação” com a copa do mundo na Rússia. A porta-voz da FIFA, Delia Fischer, anunciou então que a política não iria se imiscuir no futebol. Ledo engano e, diga-se de passagem, uma afirmação muito inocente para a porta-voz de uma entidade tão suja e escaldada como a FIFA. Porque é. A FIFA não é inocente de nada, mas isso todos sabem. Apenas pairam algumas perguntas, como “Porque o FBI?”, “Porque agora?”.

Se os EUA já utilizam, na política, a prática de salvar a humanidade em benefício próprio desde a segunda guerra, agora entramos em outro campo: o esporte. E então respondemos com alguma clareza as perguntas acima. ”Porque o FBI?” Ora, porque o resto do mundo mostrou-se incompetente para fazer algo que eles, em questão de meses, resolveram com um tiro só. Doa a quem doer, o mundo do futebol (que, até pouquíssimo tempo, não incluía os EUA) teve quase um século para livrar-se da sujeira que o preside. João Havelange, ao entrar num famoso restaurante do centro do Rio de Janeiro, onde ministros, governadores, deputados e outros figurões costumam almoçar, tinha sua mão beijada por mais de um dos presentes. O histórico cartola comandou, durante décadas, com mão de ferro e a seu bel prazer, o destino do esporte mais apreciado no planeta. A ditadura Havelange foi, provavelmente devido à idade, repassada a um membro de sua família, o genro Ricardo Teixeira, o qual, herdando o trono, mas não a competência, mostrou-se incapaz de galgar a montanha de lama. Blatter surge como o novo Havelange e reina supremo pelas décadas a seguir. E o mundo assistiu de camarote.

“Porque agora?”, apesar de já resumido acima, é uma pergunta que envolve mais que simplesmente faturamento, o que talvez nem seja a causa principal. A resposta envolve a razão de não havermos reagido, como nunca reagimos a nada quando os EUA decidem fazer o que querem, e é de suma importância ao fato. O futebol é hoje assistido nos EUA por milhões de pessoas. Fora de lá é disparado o maior esporte do planeta. Isso implica uma nova e gigantesca área de faturamento, mas também de comunicação, com novos milhões de participantes, onde, até agora, o poder americano não atuava. E não reagimos à intromissão porque, mais uma vez, o gigante nos livra do mal. Ainda que para isso quebre todos os protocolos diplomáticos estabelecidos pelas nações livres do globo.

Ao remover Saddam Hussein do poder no Iraque, os EUA “livraram o mundo de um tirano” que, também casualmente, havia sido treinado pela CIA e ameaçava a paz no oriente médio, com suas ridículas idéias nacionalistas, preservando o petróleo para o Iraque e fechando as torneiras de ouro preto que sempre estiveram abertas. Anteriormente, os EUA já haviam livrado a República Dominicana de Trujillo, a quem haviam posto na presidência 30 anos antes de tornar-se outro tirano. O general Noriega, do Panamá, fortaleceu-se sempre às custas dos EUA, até virar um barão das drogas e ser retirado da presidência à força pelos EUA, casualmente poucos anos antes do término do contrato que lhes permitia explorar o Canal do Panamá de forma independente. Fidel se salvou, Deus sabe como, mas inúmeros outros tiranos, como Kadafi, Bin Laden e Idi Amin Dadá não mais puderam fazer mal ao mundo. O grande xerife do norte os acorrentou, prendeu e fuzilou ou enforcou antes que fosse tarde demais, para o bem de todos nós. Tudo isso com ou sem a conivência da ONU, que, ou apóia as decisões do xerife ou é chamada para um duelo, onde, invariavelmente, sagra-se perdedora. Vide o exemplo das armas químicas do Iraque, que jamais foram comprovadas, com o resultado que já se sabe.

Agora, num plano mais bucólico, sem armas químicas, sem drogas (aparentes) e sem destruições em massa, surgem novas velhas acusações: os tiranos do futebol serão derrubados para que nossas crianças possam jogar futebol em paz, sem a ameaça que eles representam. A propaganda entrará em ação de novo e a parcela de 90% da população mundial que só lê (se tanto) as manchetes, assistirá de camarote, apoiará o defensor, odiará o infrator e aplaudirá de pé a nova investida norte-americana, dessa vez menos destinada ao pão e mais ao circo.

Com isso, quer dizer que me oponho ao fato da FIFA ser investigada, dos cartolas serem presos e do futebol talvez tornar-se mais transparente durante algum tempo? De forma alguma. Só acho que, num mundo onde a grande maioria dos países tem o futebol como esporte nacional, é estranho que a polícia de um país que nunca prezou o tal do valoroso esporte bretão seja justamente a que veio para botar ordem. Arrisco dizer que em menos de 20 anos, a FIFA será presidida por um norte-americano. A sede não convém mudar, seguirá na Suíça.