Um lote de amêndoas de cacau beneficiado por agricultores baianos, moradores do assentamento Terra Vista, no município de Arataca, na região sul do estado da Bahia, já está pronto e com destino certo para, no período de 31 de outubro a 4 de novembro, deste ano, ocupar espaço no disputado Salão do Chocolate de Paris, na França, onde será degustado, apreciado e negociado por chocolateiros de vários países do mundo.

Mais do que um reconhecimento ao trabalho árduo realizado, debaixo de sol a pino, pelos assentados de Terra Vista, a negociação do lote do fruto – uma relíquia natural da lavoura brasileira – representa significativos avanços e um salto de qualidade para a vida de centenas de famílias produtoras de cacau.

Segundo o presidente da Cooprasul (Cooperativa de Produtores Agropecuários Construindo o Sul), Joelson Ferreira, essa será a primeira vez que o cacau plantado no assentamento chegará à arena internacional, com o apoio da ação Cacau para Sempre, realizada no âmbito do programa estadual Vida Melhor, e incentivo do Instituto Cabruca.

“Já temos uma pré-negociação com o pessoal da Itália e vamos encontrar com chocolateiros da França para dialogar. Esses são resultados advindos da nossa participação no Salão de Chocolate, em Salvador. Produzimos 40 arrobas de cacau fino que estão em teste para identificarmos os melhores para a França”, informou Ferreira.

Ele ressaltou que 25 arrobas de cacau, em média, serão levadas para o exterior. “Vendemos a arroba a R$ 70,00 e, com essa perspectiva de negociação no Salão Mundial do Chocolate, a previsão é que o valor aumente. Graças à ação Cacau para Sempre, através da CAR, estamos conseguindo multiplicar a produção, em parceria com o Centro de Educação Profissional do Campo Professor Milton Santos, formador de técnicos agrícolas em nosso assentamento.

Para os agricultores do assentamento, a ação Cacau para Sempre abriu um leque de possibilidades para todas as comunidades que plantam cacau na Bahia. As ações do programa estadual Vida Melhor são coordenadas pela Casa Civil.

Segundo o secretário da Casa Civil, Rui Costa, a produção do assentamento Terra Vista, viabilizada e organizada por meio do Cacau para Sempre, credencia os agricultores a comercializarem seus produtos no mercado internacional. “O governo incentiva e dá condições à produção dos agricultores. A inserção deles no mercado internacional comprova os bons resultados da ação. É uma produção diferenciada, com qualidade, regularidade e em larga escala”, disse Costa.

O Salão do Chocolate de Paris é o início de uma série de benefícios a serem recebidos pelos agricultores do estado. Queremos montar a primeira Faculdade do Cacau e do Chocolate para não vender só amêndoas. O nosso chocolate terá a marca do assentamento. Este projeto será lançado para os governos estadual e federal, Pronacamp (Programa de Educação no Campo) e UESC, com boas possibilidades de parceria com o BNDES e a CAR.

Produção

Detentora de uma produção de cacau orgânico de alta qualidade, a comunidade do Assentamento Terra Vista possui um lote – área de referência para a plantação com o cultivo do cacau e de várias frutíferas, onde foram beneficiadas as amêndoas que servirão para fabricação do chocolate. A área possui 10 clones, considerados mais produtivos, com diversas variedades de cacau.

Os clones usados para a produção são os mais apropriados e garantem o melhor sabor (sabor fino de chocolate, com aroma mais forte). Neste lote demonstrativo, uma verdadeira área experimental, não se usa produto químico nem se desmata. Todos os frutos são orgânicos.

Para o técnico em Agronomia, Augusto Araújo, que trabalha no assentamento, o trabalho iniciado pelo Cacau para Sempre, ação do programa Vida Melhor, incentivou o agricultor, fornecendo assistência técnica e realizando o adensamento das áreas individuais – preenchimento das falhas existentes na plantação.

O técnico lembra também que, antes do trabalho do Instituto Cabruca e do Cacau para Sempre, existiam roças que só haviam sido adubadas na época dos fazendeiros. Ele destaca que para ter um chocolate de qualidade é necessário cuidar da planta desde o início, quando ocorre o manejo.

“A amêndoa boa é aquela que reflete o cuidado que se teve com a planta, e é o que fazemos aqui. Se essa negociação que o Cacau para Sempre está viabilizando com a França der certo, outros assentamentos de cacau vão querer replicar essa experiência”, disse.

Para o Gestor de Negócio do Vida Melhor pela CAR, Lanns Almeida, responsável pela parte técnica do programa, o lote que será levado à França no Salão de Chocolate abre a perspectiva da venda de amêndoas diferenciadas, com sobrepreço, agregando valor na cadeia produtiva e melhorando diretamente a renda de cada agricultor familiar, incluindo-os socioprodutivamente. Almeida ainda destaca que o caminho é a verticalização da cadeia produtiva do cacau, através de fábricas de chocolate, em uma estratégia protagonizada pela agricultura familiar.

Segundo o técnico do Instituto Cabruca, Nelson Rodrigues, um dos primeiros benefícios para o agricultor é o reconhecimento de que o trabalho realizado e todas as práticas usadas para fazer o cacau de qualidade valeram à pena. “A proposta de preço também pode chegar ao dobro. Hoje, o valor da arroba é R$ 70,00. Se ele faz um trabalho de qualidade e vende, fica satisfeito, porque vai melhorar o seu poder aquisitivo e ter, de fato, uma “Vida Melhor”, gerando renda e podendo também empregar outras pessoas”.

Rodrigues assinala que o Instituto Cabruca vai se sentir realizado pela proposta lançada. “Há também o trabalho de certificação que agrega valor ao cacau. O IBD, Instituto Biodinâmico, já certificou o assentamento e, isso significa que eles estão aptos a fazer chocolate para o Brasil e vão poder trabalhar o cacau certificado, exportando para Europa, Estados Unidos e União européia.

Seleção – Os clones do Assentamento Terra Vista foram materiais genéticos produzidos pela Ceplac e Biofábrica, em parceria com a UESC. A seleção foi resultado de um estudo do Dr. Dário Arnes, pesquisador da espécie, que propôs a implantação desses clones para serem avaliados e estudados mês a mês, considerando-se a produtividade dos clones, pragas e doenças, além do comportamento deles em relação ao manejo orgânico.

De acordo com a pesquisa, chegou-se a conclusão que alguns clones poderiam ser multiplicados nas áreas individuais dos assentados, ou seja, o agricultor poderia pegar o material genético no lote e fazer a “enxertia” (clonagem) em sua roça individual. A indicação é de que fossem clones mais produtivos e melhores para a produção de chocolate quanto a aspectos como o aroma, textura e sabor. A Ceplac continua descobrindo mais clones, mas aqueles já descobertos e usados no Terra Vista foram considerados aptos à produção do bom chocolate.

Lote – Trata-se de uma área demonstrativa. É um sistema agroflorestal onde estão consorciados cacau, banana, jaca, cajá e outras frutíferas e essências florestais da Mata Atlântica. É nesse sistema que se encontra o lote de cacau mais produtivo do Assentamento Terra Vista.


Karoline Meira