HISTÓRIAS DE UM ILHEENSE
por Tomé Pacheco
NO PRESÍDIO CARANDIRU (V)

Tomé Pacheco
Na Casa de Detenção do Carandiru teve um tempo em que sua população chegou a 7200 detentos, fora os funcionários. Você já imaginou o que acontecia ali dentro com essa insuportável quantidade de pessoas? Com gente que cometeu todo tipo de crime? Não era fácil, mas tínhamos que agir com jogo de cintura, muita sabedoria e inteligência para poder trabalhar. Era problema a todo instante. Presenciei vários colegas enlouquecerem de jogar pedra e rasgar dinheiro.
Tive um colega por nome Hardig que foi um deles. Volta e meia quando ele tinha algum problema com detento, ou mesmo com colegas, ele chamava para ir até a “ducha” tirar “bronca” ou acerto de contas. Aí saia de lá todo rasgado, ensangüentado, sujo de rolarem no chão.
Eu certa vez o chamei e o aconselhei: “Hardig, você esta ficando louco? saia fora daqui senão você vai precisar ser internado no Juqueri junto com os detentos!”. O Juqueri (Hospital Psiquiátrico do Juqueri em Franco da Rocha, município da região metropolitana de São Paulo) era o fim de carreira de qualquer um. Quem entrasse lá com alguma lucidez, ficava 100% maluco, sem dizer do abandono dos familiares, dos colegas e o descaso em geral.
Ele seguiu meu conselho e pediu exoneração. Presenciei também um grande número de detentos ficarem totalmente louco. Um caso que mais me chamou a atenção foi de um ex-volante que chegou a jogar futebol em vários clubes de São Paulo. O último foi a Portuguesa de Desportos, treinado pelo famoso técnico Brandão. Seu crime era roubar o vestiário dos clubes por onde passava.
Como rotina, nós chegávamos as 07h00min – 07h30min e fazíamos a contagem até as 08h00min. Abríamos todas as celas, menos as interditadas, ou seja, aquelas quando de uma revista anterior, eram encontradas alguma coisa irregular (cachaça Maria Louca, drogas, fogão feito de tijolo e resistências tiradas de chuveiros para esquentar água e tomarem banho, brigas entre eles etc.), então ordenávamos que saíssem para o pátio, ou para algumas oficinas, que por sinal, éramos pouquíssimas. Daí nossa função era ficarmos de olho neles, e revistarmos todos para liberá-los em seguida, mas não adiantava nada, pois eles, com o tempo todo livre que Deus os deu, ficavam era botando a cachola para pensar o que iria fazer no outro dia, o que geralmente não era nada que prestasse. Nós estávamos ali justamente para frustrá-los da tentativa, por exemplo, de uma “escavação de túnel”, na base da “Tereza” ou da mão grande, etc. E também coibi-los do uso de drogas, da fabricação de “Maria Louca”, dos estrupos entre eles e outros irregularidades que cometiam.
Existiam varias ocasiões em que tínhamos que redobrar a atenção. Era quando havia jogo de futebol de um Pavilhão contra outro. Nos campeonatos internos dos pavilhões aí é que era fogo! Se houvesse jogo no Pavilhão 9, por exemplo, viam detentos do 8, do 7, do 2; do Pavilhão 5 vinham poucos por ser o pavilhão dos devedores. Volta e meia era um tal de cobrar dívida que Ave Maria!. Pra nós agentes era bom porque não víamos as horas passar, pois nosso plantão era de 12 por 36 horas. Pensem então comigo, viagem no meu pensamento: Você já pensou o que é ficar mais de 12 horas numa casa de detenção onde existem pessoas que cometeram todo tipo de crime! Fora, vocês sabiam das notícias do jeito que a imprensa publicava, mas a gente lá de dentro sabia que faltava muita coisa na publicação. Em se tratando de Carandiru, quem sabia da verdade verdadeira era quem estava lá vivendo o dia-a-dia, o cotidiano. Podemos citar o Dr. Varela que escreveu um livro e que originou o filme “Carandiru”. O livro foi escrito através de pesquisas e estórias muitas delas contadas pelos detentos quando os mesmos eram consultados por este médico, que ficava no Pavilhão 4, o Pavilhão do Hospital.
Certa vez em 1982 eu estudava em Guarulhos, mas fazia entregas que ficava na Vila Galvão. Daí então eu tinha que agilizar a “tranca” e a “contagem” para poder dar tempo em sair correndo até a Estação Tietê e pegar o ônibus para a faculdade. Quase sempre iniciava a “tranca” às 16h50min e estava faltando muitos detentos para fechar a “contagem”, e eu tive que sair procurando os elementos que faltavam. Encontrei um deles na “gaiola” térrea que dava acesso à cozinha. Aí falei: “Rapaz, vamos subir porque só está faltando você para a contagem bater”. Ele virou e falou: “Chefia, espera mais um pouco que o Truta foi na cozinha pegar um recortado”. Como eu estava com pressa, para não perder o ônibus da faculdade, falei: “Não tem essa não, vamos subir. Vocês têm o dia todo para verem suas muambas. Pô, justamente na hora da tranca! Não tem conversa, sobe”. O elemento olhou pra mim e respondeu: “Se eu te encontrar na rua te encho de bala”. Eu retruquei: “Você vai encher é agora”. E parti pra cima do sujeito com gosto de gás, empurrando-o em direção ao fosso do elevador. Se ele caísse ali não sobrava nem a alma para contar a história. Foi quando houve a intervenção de um detento chamado “Excelência”, um preto velho e gente fina, que virou pra mim e disse: “O que é isso Excelência, perdeu o juízo?”. Respondi: “Acabei de perder com esse elemento que está se recusando subir para a tranca”. No que Excelência, aconselhou: “Calma, não precisa isso. Converse com ele numa boa. Você sabe que tu és nosso considerado. Temos o maior respeito pelo senhor aqui dentro. Vai perder a cabeça e nosso conceito?” Aí ele me quebrou as pernas e me fez amolecer o coração. Em outro plantão fomos dar uma blitz no 5º andar. Quando eu estava bem no meio da galeria, lá vem o tal elemento em minha direção. Faltou-me terra, encostei-me à parede e fiquei esperando o pior acontecer. Felizmente ele reconheceu que estava errado e veio me pedir desculpas. Eu aí cresci e falei: “Rapaz, nem lembro mais desse fato”. É isso, com a malandragem tem esse lado bom. Se o malando está errado, pode castigá-lo, só não bata em sua cara nem em sua bunda. Eles dizem que aí é esculachar demais com a moda. Geralmente eles me falavam que quando saísse da cadeia, iria ter uma parada com muitos de meus colegas. E diziam: “Não vou correr atrás, mas se encontrá-los vou deitar um por um”
Bela historia de vida,apesar de arriscada mas valeu apenas ter vivido, pra quem pensa que vida de agente penitenciártio é moleza, é isso aí om abraço, Magnavita
Caro Tomé,
Quero parabeniza-lo, pela resistência de ter suportado tantos anos em um lugar depressivo e violento. Adolo suas Histórias. Agurado o proximo capitulo.
Abraço, Pedro Perrini, velho camarada.