UMAS E OUTRAS INUSITADAS DA CIDADE (XXVI) (NOTAS DE BELMONTE – ‘BEBEL’ PARA OS MAIS CHEGADOS)
A imersão intencional no passado trouxe à tona para encaixe nesta sequência ‘Um Pouco de Protógenes’, escrito datado de dezembro de 2006, o qual reproduzimos de modo levemente não literal, em razão da mania deste escrevinhador de apurar quando oportuno, um texto sem mudar-lhe o sentido.
Pois é, lá pelos anos sessenta em Bebel, cidade natal, convivi com uma pessoa, pode-se dizer, excêntrica na acepção da palavra: Protógenes Gonsalves. Esguio, de pernas alongadas, ginga de capoeirista e cheio de gíria, Protógenes se assemelhava a um autêntico malandro de morro do Rio antigo, enfim com um “bon vivant”, como se diz no francês. De sorriso alargado, Tó, como era tratado, tipificou-se como uma figura folclórica da cidade e como um ícone para a meninada e a rapaziada da época. “Sujeito de confiança esse Tó!”, admiravam-no os pais de famílias.
Falador inveterado e com o prazer de se fazer notado, não seria de estranhar que, com os direitos de cidadão se impondo um pouco mais hoje em dia, ele entrasse na política e, revestido de um cargo eletivo desses, se tornasse um batalhador pela volta de Marilia (local onde foi instalada a fábrica da Veracel Celulose) a Bebel, cedida a Eunápolis numa transação, segundo se comenta, penosa ao extremo. Parece que estou vendo-o a cobrar explicações das autoridades municipais e da Bahia em veementes pregações. E suporte não lhe faltava pois, mesmo que a irreverência o marcasse, ladeava-o a qualidade de um carácter ilibado, princípio ausente na maioria dos políticos brasileiros atuais.
Uma vez por outra conduzia um grupo ao Cabaré de Eufrásio. No salão se portando como um rei, de prima advertia as meninas da blenorragia: “Tenham cuidado. Os meninos são meus, nada de sujeira com eles”. Minha turma teve a “primeira vez” orientada e conduzida por Tó. Era um exímio bebedor, mas tinha a preocupação de não deixar nenhum de nós –a meninada– ingerirmos bebida. Exibicionista como ninguém e já com algumas cervejas no bucho, adorava ir para o meio do salão, pedir para a orquestra parar e, fazer curtos discursos. O fim de todos eles em mim ficara gravado porque era sempre: “Um dia ainda libertarei o meretrício da opressão dos homens”. Não tenho dúvida de que Tó, de espirito libertário e na condição de político, se engajaria em algum projeto para tornar a “zona” livre de preconceitos, tal como fez de maneira natural Seu Arnoldino, conhecido comerciante de Bebel, ao transformar nos dias de carnaval O Grande Ponto, seu estabelecimento comercial localizado na Praça 13 de Maio, no famoso cabaré Céu Azul, numa cidade (e numa época) –como toda a região do cacau– cheia de amarras preconceituosas, cujo meretrício só se estabelecia em áreas afastadas.
Era um ás no ‘samba de breque’ e tocava bem todo instrumento de percussão: da bateria ao agogô. Carnavalesco de mão cheia, no domingo e na terça de carnaval comandava a tradicional batucada, composta só de garotos, de dona Elizete Monteiro. Nos ensaios, sua sensibilidade aguçada, percebia fácil uma atravessada no samba e, aí, não dava outra: um apito característico comia no centro como um alerta do erro.
Quando em sua oficina de bicicleta, diferente da irreverência das ruas, mantinha postura um tanto austera, só que, adotava o estranho hábito de não trabalhar das doze às
quatorze horas pra senhor ninguém, fosse quem fosse. Se alguma criança (ou adulto) desavisada achasse de procurá-lo nesse intervalo com uma “magrela” para reparo, recebia de cara um sonoro “Ora meu filho, você não entende? Você não sabe que a hora do meu almoço é inviolável!?”. Tal fraseado, como se comentava, fora tirado dos Odebrecht, sobre os quais Tó costumava contar uns casos meios mirabolantes. Embora não se saiba da veracidade deles, o fato é que por vezes, inesperadamente o homem sumia da cidade e a notícia corria que ele estava em Salvador. Com a rapaziada que estudava fora, especialmente na capital, mantinha um forte relacionamento, inclusive o tinha como um líder. Formou-se com isso, sem imposição formal de regras, uma espécie, vamos dizer assim, de ‘confraria do Tó’, haja vista ter intimidade com Protógenes era ficar na ‘crista da onda’, ser ‘pra frente’. No time da moçada havia aqueles mais chegados, mais íntimos de Tó, e que exerciam uma certa liderança na “irmandade” a exemplo de Mega, Afrânio, respectivos estudantes de direito e de química. Outro, Gute, estudava medicina –e era aluno do mestre Bimba na capoeira e que introduzia a arte a Roxinho, um nativo brigão pra cacete e que se orgulhava de ser acobertado pelo futuro médico nas provocadas confusões.
Não sei do paradeiro, mas no lugar onde estiver, Tó foi (ou é) uma dessas figuras que viveu uma vida marcante, boêmia por excelência, mas acima de tudo, como um cara do bem.
Heckel Januário
Nota: o mergulho nas águas profundas de 2006 foi provocado pela recente exposição do advogado belmontense Celcemy Andrade, integrante dos Filhos do Jequitinhonha, na Câmara de Vereadores de Bebel ao recordar passagens e personagens da cidade, incluindo esta, sobre a qual foi produzido este Um Pouco de Protógenes.
Nota2: Filhos do Jequitinhonha foi –e continua– um movimento criado recentemente por residentes e não residentes belmontenses com a finalidade de realizar reencontros e claro, confraternizações, como também a de praticar ações filantrópicas. A inciativa fora das irmãs Bandeira de Melo: Doia, Veita e Elisa; Maria Adalcy, Neide Matos, Maria Adelaide, Glaucia Suzart, das gêmeas Geninha Carvalho e Lulu Castro entre outras mulheres naturais de Bebel. Este primeiro reencontro se deu no período (13 a 16 de julho) dos festejos de N. S. do Carmo, padroeira da cidade. A reunião entre os partícipes na citada Casa dos edis foi o momento solene da programação.