UMAS E OUTRAS DA CIDADE (XXX)
(NOTAS DE BELMONTE – ‘BEBEL’ PARA OS MAIS CHEGADOS)
Na versão da ‘calmaria’ da famosa rota das Índias pelo Atlântico, foram os portugueses os primeiros a pisar na Terra Brasilis e os primeiros a ocupa-la.
Atraídos pela possibilidade de melhoria de vida ou por perrengues de alguma ordem no local de origem, outros, como espanhóis, alemães, italianos, japoneses, turcos, árabes também pintaram aqui no pedaço e contribuíram para a construção do país chamado Brasil.
Para encurtar percurso, vamos passar de passagem pela escravidão nativa e africana, abominável sistema visto como divino na época, e pelo ‘branqueamento’, variante tupiniquim da eugenia, ideologia copiada da Europa e abraçada por parte de nossa intelectualidade no fim do Império e nas décadas seguintes da República e que entrou no rol das motivações da política de ocupação brasileira. Tais intelectuais acreditavam que a ‘raça branca’ era superior em todos os aspectos inclusive no resultado da miscigenação ao afirmarem que, no cruzamento de nossos mestiços com brancos deles, ao cabo de algumas gerações, o processo geraria –somente– brasileiros branquinhos e de olhos azuis.
Como tudo começou no Sul da Bahia, Belmonte, pertinho –controvérsias à parte– das lançadas âncoras lusitanas, também abriu as portas aos das plagas europeia como alemães, suíços, portugueses… e um montão de italianos. Estes foram tantos que não demorou ser criada, pelo governo italiano, a Delegacia da Real Agência Consular da Itália na cidade. O cultivo do cacau nas férteis margens aluviônicas do Jequitinhonha se tornou o atrativo dominante para os imigrantes. Antes –com os portugueses–, a atração era seu leito: nele abundavam pedras preciosas, sobretudo, ouro e diamante. Não é o total dos registros, mas Bartelotti, Burlacchini, Trocolli, Bartoli, Paternostro, Nervino, Multari, Baffica, Giffoni, Guerrieri, Tedesco, Carnovali, Casali, Daiello, Ferrari, Leonardo, Magnavita, Mega, Pastore, Ricci, Roconi, Romano, Tartari, Tosto são ramos familiares que proliferam em Bebel e foram –e são– do conhecimento de muitos belmontenses.
Deles, Magnavita se tem como de maior número de chegantes, bem como um caso meio exótico na conta de Bebel, acontecido nos anos 60 do século passado na Praça 13 de Maio, espaço onde residiam vários italianos. Em uma das residências –um casarão dividido ao meio por um alongado corredor, com cozinha, sala, banheiro etc., separados– residiam duas famílias. De um lado a de Salvador Magnavita(conhecido como Dudu) casado com Alice Magnavita e mais 4 filhos, e de outro o casal Eustáquio Almeida Barbosa(chamado de Taquinho) e Orienta Magnavita e seus 8 rebentos. Conta-se que entre os maridos (aliás cunhados: Orienta é irmã do Dudu) e entre as proles dos casais, embora o relacionamento não fosse de aproximação, a convivência era sem beligerância. Agora, com relação às duas esposas, era um ‘pega pra capar’ da zorra, uma desavença sem fim, em especial quando se topavam nessa passagem. Apesar de não se ter notícias que as senhoras tenham ‘saído na mão’ em algum momento, era um entrevero bastante comentado na cidade. O surpreendente é que em Bebel –honrada sempre com distinção e louvor em matéria de bisbilhotagem na Região Cacaueira–, nunca ninguém, nem mesmo os
fofoqueiros de plantão, esclareceu a razão da divergência, ficando a intriga como um eterno segredo familiar.
Mudando de pau pra cacete, o historiador Durval Filho no tópico ‘Italianidade dos Filhos da Imigração’ de sua dissertação de mestrado “Belmonte, Memória, Cultura e Turismo: uma (re)visão de Iararana de Sosígenes Costa”(2003) relata num dos trechos que a maioria dos italianos que pintaram em Bebel, vieram de Paola, região da Calábria no Sul da Itália, e, que, ao aproveitarem da expansão da cacauicultura e do avanço capitalista, foram bem-sucedidos. Tornaram-se fazendeiros de cacau, comerciantes e até empreenderam atividades socioculturais. Durval defende noutros que o envolvimento deles com o cacau em Bebel no Sul da Bahia e com o café em São Paulo, “…atividades produtivas sem raízes europeias e muito menos italianas…”, foram fatores de ‘abrasileiramento’ desses imigrantes italianos. E diferencia dos vindos do Norte da Itália para o Rio Grande do Sul e que aí, ao enveredarem na produção de uva e vinho, ”reproduziram uma atividade típica da região de origem…”. E desse jeito instalaram “… a infraestrutura que reproduziria a cultura do país de origem”.
Heckel Januário
Em tempo: a belmontense Maria Delvina, residente em Salvador -Ba foi importante na elucidação das dúvidas no caso da Praça. Delvina conviveu ainda criança com os dois casais (não estão mais aqui no nosso convívio) – e descendentes–, e os tratava de tios e de tias. É sobrinha de sangue de Taquinho, irmão de Zimbu, o homem das ‘Bodas de Ouro” de namoro focado na parte passada (XXIX) dessas Notas.
Em tempo2: filhos de Dudu sem ordem cronológica: Ivo, Ivan, Ivani e Irlene. Idem de Taquinho: Ivone, Ivonete, Nice, José, Geferson (Gé Popo), Silvia, Yolanda e Maria do Carmo.
Em tempo3: O citado ‘casarão’ ainda existe e mantém a fachada. À Praça 13 de Maio, chamavam-na, por motivos óbvios, Praça dos Gringos.
Em tempo4: Bebel, como se sabe, foi a 3ª localidade a desenvolver o cacau no Sul da Bahia, depois de Canavieiras e de Ilhéus.