(NOTAS DE BELMONTE – ‘BEBEL’ PARA OS MAIS CHEGADOS)

São pertinentes as ligações nada convencionais envolvendo Bebel a começar pelo topônimo, uma corruptela de Belo Monte, pois o local onde fora erguida sequer um montinho boiando como prova se tem ciência. Elevações que a circundam por ação da conquista territorial e o fato do nome da cidade natal do descobridor português estar inserido, ou melhor, claramente inserido para  homenageá-lo desde o século 18 na Vila de Nossa Senhora do Carmo do Belo Monte, são outros quinhentos.

E o mais incomum mesmo considerando a catequese jesuítica, foram os donos do pedaço, os Botocudos, respeitados pela ferocidade a ponto de não hesitarem em abater o próprio parceiro para traçá-lo, terem convivido de mãos dadas desde início com os inimigos: os aportados colonizadores lusitanos. Diz-se até que a pacificidade entre eles era tão exemplar que juntos adentravam o caudaloso Patiche, ou Rio Grande (designações primitivas do rio Jequitinhonha dadas pelos nativos e primeiros colonos) na garimpagem de disputados diamantes e outras pedras preciosas.

Essa caudalosidade despertou o interesse de Júlio Louzada, um arquiteto paulista que na década de 80 passava uma temporada em propriedades agrícolas da família em Belmonte e, um dos fundadores do Nau – Instituto de Pesquisa para Assuntos do Descobrimento do Brasil, projeto como outros que visava às comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil em 2000, comemorações estas propagadas euforicamente pelo governo federal já no meado dos anos 90. Em um trecho da reportagem de 28 e 30 de junho de 1998 de página inteira no jornal O Estado de São Paulo (matéria que me foi ofertada pelo citado pesquisador dias após a publicação), Júlio “Investigando a costa, deu-se conta de que o Rio Jequitinhonha, com seus 2 quilômetros de boca, seria a única força capaz de atirar em alto-mar sinais evidentes da presença próxima de terra”, e decidia, diante das controvérsias do Descobrimento,  colocar a hipótese não-oficial da ‘chegada portuguesa’  aí pelas beiras de Bebel para ser estudada e discutida pelo Instituto.

Projeto para ser tocado com bufunfa inteiramente da iniciativa privada, arrojado, o Instituto Nau além de universidades como a Unicamp, USP e Universidade Federal da Bahia entre outras englobava profissionais gabaritados e de renome internacional a exemplo do experiente navegador Amir Klink, um dos sócio-fundadores do Instituto, bem como Paulo Miceli, historiador, professor da Unicamp e “um dos raros especialistas brasileiros em navegações dos séculos 15 e 16”. Outro, o engenheiro naval norueguês Jars Hans Paust, coordenaria em Valença aqui na Bahia, escolhida por motivos óbvios da mão de obra especializada, a reconstrução das 13 caravelas da esquadra cabralina.

Mas como já insinuam os verbos pretéritos e condicionais acima, o projeto não chegara a termo. Notícias afirmaram que alegações governamentais incabíveis e rasteiras o inviabilizaram. Inclua-se a da ausência de “dinheiro público” na jogada que, impossibilitando a capacidade de atuação do institucionalizado “desvio”, teria motivado o desinteresse de “patrióticas” autoridades governamentais envolvidas na organização do evento. No final das contas o que se viu dos ‘500 anos’ foi predominar os fiascos, incluindo o da construção sob a égide do governo, da Nau Capitânia que mal, mal se manteve flutuando e, o pior, com fortes suspeitas de ter havido malversação de recursos públicos.

Pronto. Termino aqui a tentativa de dizer resumidamente de um projeto envolvendo Bebel que, como entendi o seu foco não seria o dos festejos do Descobrimento em si, mas o de aproveitar tal situação e, indo adiante, procurar desvendar a obscuridade dos primeiros 50 anos da história do Brasil e, o importante: deixar um legado para reflexões.

Heckel Januário