juventino ribeiro para sitepor JUVENTINO RIBEIRO 

A indústria da seca é um conjunto de expedientes ou procedimentos de poderosos grupos nordestinos que se valem do fenômeno e, sobretudo, do mito da seca, para colherem benefícios governamentais em proveito próprio.

Recentemente, revirando alfarrábios – tenho-os em grande quantidade – deparei-me com uns publicados no Diário da Tarde, de Ilhéus e no jornal A Tarde, de Salvador, na década de 90. Um deles estampava o título “A Industria da Seca”. Revisei, atualizei, acresci e agora republico.

Acho que alfarrábios, de origem árabe, são malditos – sem conotação discriminatória – e rimam com tosse. Acoitam malditos fungos e ácaros que me têm torturado há vários dias. Bendita seja a tecnologia da informação, pois o scanner é um asséptico coadjuvante para perenizar antigos escritos, digitalizando-os e enviando-os às nuvens computacionais. Assim, podemos queimar alfarrábios e seus malditos habitantes que minam nosso sistema respiratório.

Pois é, seca é assunto que me atribula desde quando nasci, em Mirabela, Norte de Minas Gerais. Essa região integra o famoso Polígono das Secas, juntamente com Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e parte de Alagoas. Nada há mais desolador do que uma paisagem árida, sem que se vislumbre no horizonte uma pequena nuvem alentadora para o sertanejo. Passei algum tempo na África e por lá vi paisagens semelhantes. É tudo muito estarrecedor e todo brasileiro deveria ler mais sobre a seca e suas consequências. Fica a dica aos pais e professores.

O tal artigo tecia uma panorâmica dos diversos acontecimentos alusivos às secas, desde a época do Imperador D. Pedro II, mais precisamente o ano de 1877, período este conhecido como A Grande Seca. Só o Estado do Ceará perdeu mais de 400 mil habitantes, equivalente à metade de sua população, naquela época, dizimados por doenças e pela fome, consequências da seca. Mesmo se considerar exageros na estimativa, o cenário causou choque em estudiosos dessa época.

O Imperador D. Pedro II chegou a cunhar a célebre frase: “Não restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Criou-se uma comissão imperial para desenvolver medidas que pudessem atenuar futuras secas. Desde a importação e adaptação de camelos, construção de ferrovias e açudes até a transposição do Rio São Francisco, através de um canal de elevação para o Rio Jaguaribe, no Ceará. Entretanto, muito pouco saiu do papel. Ressalta-se, aqui, que a transposição do Velho Chico é assunto pensado e debatido desde a época do Império.

Há relatos de pesquisadores e historiadores de que tais adversidades datam da época da colonização portuguesa na região. A primeira seca teria ocorrido no período de 1580 a 1583. As duras consequências da falta de água acentuaram um quadro que em diversos momentos da biografia do semiárido chega a ser assustador: migração desenfreada, epidemias, fome, sede, miséria.

Desse período até a primeira metade do século XVII, quem ocupava as áreas mais interioranas do semiárido brasileiro era a população indígena. Essa região, equivalente ao Polígono das Secas, paulatinamente, foi sendo ocupada por sertanejos, já habituados ao desmatamento.

Essa ocupação foi intensificada após uma Carta Régia que proibia a criação de gado em uma faixa de dez léguas desde o litoral em direção aos sertões. Teria sido a primeira ação governamental de que se tem notícia, visando à contenção de estiagens. Talvez tenhamos aí também a revelação de um dispositivo legal ancestral, cujo teor, se posto em prática, se revelaria um marco inicial na preservação da Mata Atlântica (?).

As capitanias tiveram seus engenhos prejudicados, as fazendas sofreram com a falta de água e cerca de 5 mil índios desceram rumo ao sertão em busca de comida. Segundo Irineu Pinto, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, fiscais da Câmara chegaram a pedir ao Rei de Portugal que enviasse escravos, pois os que habitavam a região haviam morrido de fome. (continua…)