Era uma vez uma velha senhora que tinha nome de santo guardião e protetor dos povos. Chamava-se São Jorge dos Ilhéus. Em outros tempos fora até apelidada de nobreza. Deram-lhe a alcunha de Princesinha do Sul. Dizem – e alguns nostálgicos ainda lembram-se disso -, que em tempo idos bem longe, ela vivera não como princesa, mas sim como uma verdadeira rainha e tinha títulos, súditos, admiradores, fáceis alegrias e grandes riquezas. Muitos até afirmam que por dotes divinos, Deus lhe deu uma árvore que produzia verdadeiros frutos de ouro. Mudas dessas árvores foram plantadas nos seus quintais e nos quintais dos seus vizinhos. Em pouco tempo todos ficaram ricos e a velha senhora se sentiu realizada e digna das benções de Deus. Cumprira o seu legado e propósito. Alardeava isso por todos os cantos. Hoje, a velha senhora agoniza sobre o leito moribundo e, certa do que lhe espera, apenas chora em silêncio. Ver-se poucas esperanças no seu frio olhar.

Quem a viu em tempos tão passados, vestida elegantemente em trajes diários de gala, adornada de pura seda chinesa, reluzente ouro de Minas e pérolas orientais e a vê agora, acredita serem duas pessoas distintas. Onde havia o sorriso reluzente das alegrias diuturnas, mora agora a boca banguela e com hálito pouco admirado. Onde havia os bailes reluzentes, banquetes celestiais e festas sem fim, se ver agora a solidão, o ostracismo e o abandono. São dois mundos muitos diferentes. Todos sabem disso. A velha senhora não só perdeu a beleza da juventude, mas perdeu também os seus verdadeiros amantes.

Antes, havia parceiros cheirosos e ricos para todas as suas danças. Todos se diziam seus filhos, muitos lhe amavam sem pudor ou segredo. As jóias eram presentes diários. As sinfonias e óperas eram ouvidas até nas cozinhas dos seus tantos lares. Seus filhos falavam facilmente o idioma francês igual a Jacques Bertrand e Alexandre Dumas. Seus empregados sabiam o idioma alemão que facilmente se ouvia no seu porto. Todos, sem distinção de raça ou credo, recebiam suas proteções maternais e até os mais humildes, vivendo nos seus ares, prosperavam. Pode-se dizer que essa velha senhora tinha, além de frutos de ouro no quintal, verdadeiros poderes de Midas. Tinha-os, é certo. Porém, os perdeu. Ou foram roubados?

Hoje, abandonada e esquecida no asilo da história, a velha senhora Ilhéus come migalhas que lhe chegam a poucas mãos de raras caridades. Alguns dos seus filhos ditam as regras nas salas dos antigos casarões e quando não destroem o que herdaram, fazem de tudo para que se esqueça a bela história dessa velha senhora. Parece que esses têm algum mal horrível no coração e adubam o seu matricídio com descasos, roubos e tantas mentiras.

Tísica de sonhos e sofrendo de vastas cataratas nos horizontes das oportunidades, a velha senhora Ilhéus prefere viver de lembranças e nem chora mais pelo seu sofrimento. Em silêncio, parece que prefere a morte. Não diz isso, mas é o que percebemos no seu desgastado semblante. Já não chora nem ri. Vive como alguém que teve uma grande decepção amorosa e se fechou em si, feito uma ostra que não produz mais belas pérolas. Prefere as profundezas escuras das lamas dos manguezais.

Há ainda alguns raros amantes e filhos verdadeiros dessa nobre senhora, que de vez em quando, cantam canções de grandes amores e alegres saudades e alardeiam juras eternas. Eles somente cantam, cantam e cantam… Só isso. Todos dizem que amam a velha senhora, mas ninguém tem coragem de levá-la para sua casa e amá-la de verdade, dá-lhe atenção, respeito e cuidados especiais.

Todos nós a amamos, mas preferimos ficar distantes para não ver o seu sofrimento e triste agonia. Todos nós, – digo novamente -, todos nós somos culpados pelo que fizemos com essa triste senhora. Todos nós somos ingratos, inconseqüentes e demagogos, quando falamos desse nosso velho amor. Na verdade, a amamos da boca para fora e preferimos a nostalgia à ação concreta.

A nossa senhora Ilhéus está morrendo. Será que nós não estamos vendo isso? Onde estão os seus amantes reais e verdadeiros? Onde estão os seus defensores? Onde estão os seus filhos conscientes dos papeis dos verdadeiros filhos?

Os covardes, como eu, choram distantes e fogem da batalha final.

Enquanto isso, Satanás dá conselhos nos ouvidos palacianos…


Roberto Carlos Rodrigues