AS SABADADAS
Lembro-me que até poucos tempos existia um grupo de amigos na cidade nova que se reuniam aos sábados para jogar conversa fora, a base de um bom whisky e um seleto almoço.
Também na casa de Sá Barretto tinha o habito de reunir seus amigos aos sábados para aquele bate papo . Os visitantes freqüentes moravam próximo a sua residência a exemplo de Hermilo Farias, Coronel Fonseca, Zito Cardoso, Cabo Asterio, Augusto Paraiso, Gastura, Chico do Povo, Mesquita, além da minha pessoa.
O bate papo era o mais variado possível. As bebidas eram servidas ao gosto do visitante, como também os deliciosos acepipes feitos pela cozinheira Alzira. Segundo Sá Barretto a cozinheira dormia com as mãos na virilha no intuito de acertar o tempero do manjar a ser servido.
Tive oportunidade de participar de vários encontros em sua residência, inclusive com os escritores Jorge Amado, Adonias Filho, Waldir Pires e a atriz Lucélia Santos, por ocasião de sua apresentação no Teatro Municipal de Ilhéus.
Sá Barretto sempre foi um homem espirituoso, tinha sempre uma estória para contar, era bastante versátil e engraçado.
Certa ocasião ele contou um episodio que aconteceu na pensão Vasco , que funcionava onde hoje é o prédio do Banco do Brasil.

A pensão Vasco era freqüentada por Pedro Corro de Belmonte, o qual era de poucas letras mais bastante esperto, que aqui conheceu a proprietária Dona Carmen, baixinha, de uma escola de baller. E ele tinha um metro e oitenta de altura, de modo que, juntos nas ruas de Ilhéus, eram chamados de Ponto e Virgula.
Numa das salas do primeiro andar do prédio, reuniam-se às tardes os coronéis do cacau para um carteado. Jogava-se, comemora-se, esmiuçava-se a vida do próximo. Era a época em que gerente de banco, coletor e autoridade com casca às costas, tinham prestigio, eram apontados nas ruas, mereciam cumprimentos e fidalguias. Por isso, quando chegou um novo gerente do Banco do Brasil, que jogava às escondias para salvar as aparências, o pessoal decidiu dar-lhe uma recepção triunfal no primeiro pavimento da Pensão Vasco.
Uma determinada criatura chamada Zuca que era espirituoso avisou:
-Vou pregar uma peça no gerente. Mas não entrou em pormenores. Ao Sargento Arsênio que ali encontrava-se encomendou balas de festim e carregou o revolver. Pretendia molestar o companheiro Dalmiro – impetuoso, de cabelo na venta, desses que não levam desaforo para casa, inimigo mortal de quem rouba em jogo de cartas, mesmo de brincadeira.
Zuca começou a esconder cartas na manga. Dalmiro por sua vez carregou o sobrolho. A cada rodada ficava mais silencioso. As veias do pescoço incharam, a testa encheu-se de rugas, a voz tremia de emoção. Explodiu ao ver Zuca puxar um às escondido no punho da camisa e exclamou! Vá roubar assim na casa da sua mãe.
Daí começou uma discussão violenta, impropérios.
É você! – bradou Zuca.
E ato continuo, levantando-se de revólver em punho, meteu dois balaços em Dalmiro.
Estirado no chão, sentindo-se morto, Dalmiro implorou em voz plangente:
– Salomão, meu amigo, meu irmão, avise a Nica que estou baleado e vou morrer. Minhas reservas estão dentro do colchão…
Mais pálido que o suposto defunto, o novo gerente do Banco do Brasil resolveu enfrentar Zuca:
-Teje preso em nome da lei!
– Perdido por um, perdido por mil! – admitiu Zuca. E apertou novamente o gatilho: duas balas dirigidas ao peito do gerente estupefato, que levou a mão espalmada ao coração e tombou.
Para não testemunhar a terrível carnificina entre velhos amigos, entre companheiros do carteado de todas as tardes, Salomão escafedeu-se pelos fundos da Pensão Vasco.
Uma encenação dessas, da pesada, não fica impune. Dalmiro caçou Zuca durante um mês pelas ruas e arredores de Ilhéus. O destroço seria inevitável. Todos previam uma segunda – e verdadeira – cena de sangue, talvez um bangue-bangue digno do filme Terra Violenta. Mas os coronéis do cacau entraram em ação, aparando arestas, minimizando mágoas e ressentimentos. Depois de um mês de molho, Zuca e Dalmiro entravam sorrindo e abraçados na Pensão Vasco, de Pedro Corró, o Corró de Belmonte, para o joguinho de todas as tardes.
Felizes tempos. Corria dinheiro em Ilhéus. O cacau estava no auge e quem falasse em vassoura-de-bruxa seria excomungado em nome do Santo Padre.

Colaboração de Luiz Castro
Bacharel Administração de Empresa
Fespi 1991,