Heckel Januário em: LEMBRANÇAS DA EXTENSÃO RURAL (7)
Esta “Lembranças…” de número 7 retoma a fase laboral ceplaqueana da Capitania dos Ilhéus, quando o escritório de extensão da Ceplac situava-se na esquina (confluência onde ergueu-se recente um edifício de salas comerciais) das ruas Oswaldo Cruz e Manoel Dórea; passando mais tarde – e definitivamente– para um prédio próprio na atual Rotatória da Cairu (ex Praça Cairu).
Na década de 70 –século passado–, com o preço do cacau alcançando níveis de excelência no mercado internacional, produção –por ações da Ceplac– em ascensão, a Região Sul Baiana vivia momentos de euforia. Foi o período que este órgão, dinamismo a todo vapor e cutucado por um programa –que visava expandir e direcionar a cacauicultura nacional– chamado Procacau, lançava a campanha de renovação de cacaueiros decadentes com o famoso slogan “Só Cresce quem Renova”.
A zona do Rio do Braço, da Capitania, embora diferenciada em razão de seu solo de primeira, encaixava direitinho na recém-criada missão. Então introduzida no rol dos cacauais renováveis, um projeto de 200 hectares à frente Nogueira Formiga, agrônomo chefe desta área, teve curso abrangendo três propriedades (a de menor porte em cacau ficava em Coaraci, fora portanto do maciço cacaueiro aludido) de Eduardo Catalão, forte cacauicultor, além de já ter sido Ministro da Agricultura, Deputado Federal, Senador da República (era engenheiro-agrônomo e seu irmão Pedro Catalão fora prefeito de Ilhéus) entre outros títulos que o credenciavam ser considerado uma figura de proa da cidade, mesmo residindo no Rio de Janeiro.
Como norma, correspondendo a 40% do valor do investimento, uma parcela imediata fora liberada, provendo desta forma o investidor de recursos para iniciar balizamento, viveiro de mudas e outras práticas agrícolas pertinentes. Influência da deferência citadina ao agricultor fazia com que o escritório intensificasse as visitas assistências técnicas às fazendas projetadas, entretanto o tempo passava e o que se via era a segunda cota chegando ao ponto de liberação diante de um acentuado atraso no cronograma. Foi assim que, coincidindo com a praxe de rodízio no escritório, aportava em Ilhéus transferido de Ibicaraí o agrônomo Antônio Freire que mal, mal arriava as malas, fora convocado a substituir Nogueira, mudado havia pouco para a zona de Castelo Novo. Como o chegante era de personalidade falante, entusiasta, logo ficara a par da situação do Rio do Braço e, decidido, resolvera dar uma solução ao pendente projeto “fazendo uma Supervisão austera”, como gostava de dizer, apesar de, devido a experiência extensionista no escritório ilheense, haver sido desaconselhado pelos demais membros. Constatada a precariedade das áreas visitadas, relatório prontinho em mãos, partiu Freire para o Banco do Brasil: “Seu gerente, este projeto não cabe mais nenhuma liberação de recursos, pois…” e decorreu tintim por tintim o incumprido contrato. O gerente meio assustado com a veemência do protesto, pediu-lhe licença, ergueu o braço direito a uma gaveta de um arquivo de metal, tirou uma pasta, coloco-a sobre a mesa, abriu-a e, apontando para um telex (naquela época era telex) recebido da matriz bancária constando que o dinheiro do projeto já havia sido liberado na totalidade, disse-lhe “Viu Dr. Freire! Não tenho culpa! Não tenho culpa!”.
Eis aí mais uma lembrança desburocratizada no labor da extensão rural, e que se poderia deduzir com uma das facetas do funcionamento do serviço público no País, e óbvio, como um caso de privilégio, características de nossa dita “democracia”, que os nossos governos continuam mantendo de modo tranquilo.
Pelo menos o lembrado se difere dos estourados em abundância atualmente –a exemplo dos de corrupção e nela inclusa os famigerados caixas-dois de campanha eleitoral– envolvendo a maioria dos nossos representantes políticos. E com o focado cacauicultor, bem-sucedido financeiramente antes de entrar na política, nos leva a crer não haver registros de atos ilícitos por ele praticado, ao contrário, se têm como um político que agira com decoro e que dera sua parcela de contribuição à sua cidade natal, à Bahia e ao Brasil.
Ah, íamos sendo contaminados com a terrível tradição e esquecendo: “Não se culpe, gerente, não se culpe. O mal, o mal vem mais de cima!”.
Heckel Januário
—
Para ler a PARTE 1 clique AQUI.
Para ler a PARTE 2 clique AQUI.
Para ler a PARTE 3 clique AQUI.
Para ler a PARTE 4 clique AQUI.
Para ler a PARTE 5 clique AQUI.
Para ler a PARTE 6 clique AQUI.